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OTAVIO FRIAS FILHO
Diretas-Já
A campanha das Diretas-Já, da
qual se comemoram agora os 20
anos, selou o destino do regime militar (1964-1985). Por meio dela, ficou
patente que o repúdio ao governo autoritário alcançava vastas latitudes sociais e geográficas. Uma parcela da base política do regime aderiu à oposição, o que permitiu eleger, oito meses
depois, o moderado Tancredo Neves
no colégio eleitoral concebido pela
própria ditadura.
Foi uma campanha paradoxal, fracassada e vitoriosa ao mesmo tempo.
Fracassou porque seu objetivo -restaurar o voto popular para presidente
da República- foi derrotado na sessão do Congresso da madrugada de 26
de abril de 84. A população só voltaria
a eleger o chefe do Estado na eleição
seguinte, a de 89, da qual saiu vitorioso Fernando Collor, que derrotou nas
urnas o atual presidente.
O movimento teve êxito, porém, ao
apressar a redemocratização, que se
arrastava havia dez anos. O primeiro
sinal de protesto popular ocorreu nas
eleições parlamentares de 74, quando
a oposição obteve vitória esmagadora.
Recém-instalado, o governo Geisel
manobrava uma liberalização controlada que permitisse desafogar pressões sem mudar a natureza do regime.
Esse processo desandou no fim do governo seguinte, o de Figueiredo, a partir da mobilização pelas diretas.
Sempre sui generis, o Brasil não encerrou sua última ditadura por meio
de um golpe militar (como ocorreu
em Portugal) nem em resultado de
manifestações que depusessem o governo (como aconteceu nos países do
Leste Europeu). Embora desgastado,
aqui, o regime autoritário manteve
sua capacidade operacional até o fim.
A transição para a democracia foi fruto de um acordo implícito entre as
duas partes, regime e oposição civil.
Pode parecer, à distância, que de repente multidões nas ruas das grandes
cidades passaram a exigir seu antigo
direito, utilizado pela última vez na
eleição de Jânio Quadros, numa espécie de surto coletivo de constitucionalismo. Não é bem assim, a verdadeira
razão tinha base material. Basta verificar o crescimento econômico nos
anos que antecederam a campanha
das diretas: -6,3% (1981), -1,3% (1982)
e -5,0 (1983).
Para quem duvida de que crescimento negativo durante dois ou três
anos é o que derruba governos, vejam-se os índices que antecederam a
deposição legal de Collor: -7,8 (1990),
-0,5 (1991) e -2,0 (1992, ano do impeachment). A campanha das diretas
foi apenas a síntese de um extenso rol
de insatisfações, apresentada de maneira simples e fácil de entender:
quem deve eleger quem vai mandar
no país é você, cidadão.
A forma pela qual se deu a transição
para a democracia permitiu que antigos sócios do regime militar continuassem a compartilhar o poder nos
governos seguintes. É o mistério da
cordialidade brasileira, que está no
DNA do país desde a Independência e
aparece, redivivo, tanto tempo depois,
na transição de FHC para Lula: civilizada, sim, mas feita de continuidade
sob as fanfarras da mudança.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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