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DECLÍNIO ÉTICO
O deprimente espetáculo encenado em Brasília na última
semana, em torno da instalação da
CPI dos Correios, ampliou as proporções do fracasso político do governo Luiz Inácio Lula da Silva e expôs sem disfarces a rarefação ética e
o descompromisso moral de muitos
daqueles a quem a sociedade confiou
a missão de conduzir e zelar pela República. As exceções, por certo -e
felizmente- existem, mas saltou
aos olhos nesse vexatório processo a
combinação de truculência, cinismo
e desenvoltura fisiológica empregada pelo Executivo em seus desesperados esforços para impedir o inquérito parlamentar.
Ameaças, ofertas, apelos e chantagens, a tudo se recorreu para evitar
que a evidência de corrupção numa
empresa estatal fosse examinada por
uma CPI. Tamanho empenho, aliado ao desprendimento para assumir
os ônus inerentes a uma operação
desse tipo, serviu para alimentar ainda mais as suspeitas de que as "bravatas" do funcionário Maurício Marinho são na realidade o fio de uma
meada que, trazida à luz, poderá causar sérios danos para o governo e para seus aliados.
O que se sabe do contexto que originou a escandalosa fita afasta de cena a hipótese de se tratar de um caso
isolado. Apurações de bastidores
dão como certo que nos Correios o
vaivém de encomendas não se resume à atividade-fim da empresa. Tem-se ali um loteamento "sui generis",
no qual o tráfico de influência, as negociações de contratos e o aproveitamento de oportunidades são disputados de maneira imprudente por representantes do PTB, do PMDB e do
próprio PT.
Personagens que nos últimos anos
têm despontado obliquamente em
casos assemelhados, como o tesoureiro petista Delúbio Soares e o secretário-geral Silvio Pereira, mais uma
vez voltam à baila em conversas que
o governo poderá classificar de levianas, mas cuja insistência vai se tornando inquietante.
A desastrosa ofensiva deflagrada
pelo Planalto serviu também para
reiterar sua deserção dos compromissos com a moralidade política
que animaram ao longo de anos a
militância petista e contribuíram para fomentar as esperanças que os
brasileiros depositaram nas urnas.
Pode-se imaginar, para aqueles que
acreditaram nas promessas de mudança política acenadas pela candidatura Lula, o peso da frustração
com os atos praticados pelo governo. Não consta que, ao abandonar
suas teses irresponsáveis de ruptura,
nas revisões doutrinárias realizadas
com vistas às eleições presidenciais,
o PT tivesse, com elas, atirado no lixo
o que se afigurava como uma de suas
mais bem-vindas contribuições -a
maneira, como diziam então, "diferente" de fazer política.
Esse patrimônio simbólico, que
começou a se erodir com a conquista
de prefeituras e governos estaduais,
já não encontra nenhuma correspondência no exercício do poder político pela administração do PT. Aos
que das hostes petistas têm contrastado as opções do Planalto, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, já
apontou o caminho: que troquem de
partido e façam oposição.
O declínio ético do PT -para alguns sinônimo de "realismo"- em
nada eleva as legendas de oposição,
que cumprem o seu papel, mas o fazem com acintosa hipocrisia. Em oito anos de governo, representantes
do PSDB e do PFL, que hoje se arvoram em intransigentes campeões da
transparência, estiveram em diversas
ocasiões na mesma posição que agora combatem, a bloquear investigações e abafar escândalos.
O aspecto a um só tempo tenebroso e farsesco dessas escaramuças estarrece a opinião pública e reforça as
desconfianças em relação não apenas ao governo petista, mas à classe
política, da qual a sociedade brasileira tem esperado mais espírito público, seriedade e eficiência.
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