São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma CPI imparcial e eficaz

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

Assinei a CPI dos Correios na quarta-feira e penso que o mais importante agora é garantir que ela seja realizada da maneira mais séria, isenta, responsável e eficaz. É a melhor maneira de atender ao propósito expresso pelo presidente Lula, transmitido à bancada do PT no Senado: o de apurar firmemente todas as ações de corrupção e todos os seus responsáveis.
A preocupação dos membros do Diretório Nacional do PT, que orientaram os deputados federais e senadores a não assinar o requerimento, era a de que nossos opositores no Congresso Nacional usariam a CPI para desestabilizar o governo, paralisar a administração pública e até os trabalhos do Congresso Nacional. É claro que esse risco existe, já que muitos da oposição têm tido esse tipo de atitude. Entretanto, penso que isso dependerá muito da própria atitude do presidente Lula, de seus ministros, de seus líderes e parlamentares da base de apoio, de colaborar para que a CPI possa realizar um trabalho bem feito, coisa que certamente espera de nós o povo brasileiro.
Tivemos nas últimas décadas exemplos de CPIs que cumpriram seus propósitos. Em 1992 e 1993, as CPIs para investigar os atos de PC Farias, ex-tesoureiro da campanha do presidente Collor de Mello, e para investigar as ações irregulares relacionadas ao Orçamento da União, foram exemplares.
A primeira desencadeou a memorável Campanha por Ética na Política, que concluiu pelo afastamento do presidente da República. A segunda concluiu responsabilizando inúmeros parlamentares que perderam seu mandato. O povo se sentiu de alma lavada e avaliou que o Congresso Nacional estava cumprindo com seus deveres constitucionais.


Minha decisão levou em conta tudo o que o presidente Lula e todos nós do PT defendemos nestes 25 anos

Há casos de CPIs, entretanto, em que são criadas todas as dificuldades. Foi o que aconteceu recentemente com a CPI do Banestado. Foram tantos os desentendimentos entre o presidente, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) e o relator, deputado José Mentor (PT-SP), que cada um produziu um relatório final, e nenhum dos dois foi aprovado pelo plenário da comissão. Ambos acabaram sendo enviados para o Ministério Público e até agora não sabemos exatamente quais são as conclusões principais dessa CPI.
Esses episódios precisam ser lembrados para que o governo e a oposição ajam bem na escolha dos membros da CPI. Há inúmeros senadores e deputados que, por sua experiência e história, merecem o respeito de todos para ocupar a presidência e a relatoria. O presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-Al), já avisou que obedecerá à tradição e ao regimento, designando o presidente da base de apoio ao governo e o relator da oposição ou vice-versa.
Esta CPI, que tem por base as gravações publicadas inicialmente na revista "Veja", e que indignaram toda a nação, cita pessoas que estão no Congresso Nacional. Isso obviamente a justifica. É preciso assegurar todo o direito de defesa a elas, mas não há dúvida que o caso envolve complexidade suficiente que o Congresso, além da Polícia Federal, da Controladoria Geral da República e do Ministério Público possam colaborar entre si para apurar os atos irregulares e seus atores.
Ao assinar o requerimento da CPI, tomei a decisão que minha consciência determinou. Pela primeira vez em 25 anos de história do PT, agi em desacordo com a orientação do Diretório Nacional e com a decisão da maioria de minha bancada. Nesta oportunidade não houve, deliberadamente, fechamento de questão. Tanto é que,com a anuência do líder do governo, Aloizio Mercadante, e do PT, Delcídio Amaral, estávamos os seis senadores -Paulo Paim, Cristóvam Buarque, Flávio Arns, Ana Júlia Carepa, Serys Slhessarenko e eu- autorizados a entregar nossas assinaturas poucos instantes antes do prazo final, à meia-noite de quarta-feira, se tivesse sido constatada a inevitabilidade da existência da CPI.
Tudo o que se passou ao longo destas duas semanas e, especialmente na última quarta-feira, ao receber a comunicação de apoios por minha assinatura vindos de todos os cantos do Brasil, sobretudo da enorme base petista que tanto contribuiu para me eleger senador, levou-me à decisão de assinar a CPI. Comuniquei que o faria aos meus dois colegas de bancada, Paulo Paim, a quem entreguei o documento com as nossas seis assinaturas, e Cristóvam Buarque. Recomendei que consultassem os demais, pois poderiam querer seguir o mesmo caminho.
O ministro José Dirceu, que comigo requereu a CPI sobre os atos de PC Farias e também trabalhou na CPI do Orçamento, afirmou de maneira respeitosa que sou "hors concours", que se trata de questão de consciência, que sou estranho. Isso no dicionário quer dizer "fora do comum, desusado, novo, anormal". Quando ele era dirigente e responsável por minhas campanhas majoritárias aprovou os motes criados por Carlito Maia: "Experimente Suplicy. É diferente de tudo que está aí"; "Pintou Limpeza"; "É do ar do Suplicy que o Senado precisa". Minha decisão, portanto, levou em conta tudo o que o presidente Lula e todos nós do PT defendemos nestes 25 anos, e a tomei considerando as razões que fizeram o PT propor ao povo de São Paulo que me elegesse senador em 1990 e novamente em 1998.

Eduardo Matarazzo Suplicy, 63, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA) e professor da Fundação Getúlio Vargas, é senador pelo PT-SP. É autor do livro "Renda de Cidadania - a Saída é pela Porta" (Cortez e Fundação Perseu Abramo).

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