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O outro, o mesmo
Caso Paulinho reflete o surgimento de uma "elite" que se beneficia das relações turvas entre sindicalismo e Estado
NUM TEXTO fundamental para a constituição
da literatura moderna, o poeta francês
Jean-Arthur Rimbaud (1854-1891) afirmou, com tanta audácia
gramatical quanto psicológica,
que "eu é um outro".
Retirada de seu contexto estético, a frase parece sintetizar
uma das poucas linhas de defesa
possíveis para o deputado Paulo
Pereira da Silva (PDT-SP), cujo
envolvimento com lobistas e irregularidades vai dando exaustivos sinais de evidência.
A Polícia Federal identifica na
figura de "Paulinho da Força",
como é conhecido o parlamentar, o beneficiário de dois cheques oriundos de um esquema
de desvios de verbas do BNDES.
O nome "Paulinho" e a abreviação "PA" constam da documentação apreendida pela polícia.
Haverá muitos Paulinhos, por
certo, no mundo das negociatas
federais, e não se nega ao da Força Sindical o direito de dizer que
"é um outro". Mas nem todo
Paulinho tem o poder de indicar
membros do conselho administrativo do BNDES, suspeitos de
facilitar empréstimos a prefeituras e empresas. Desses empréstimos, uma porcentagem reforçaria -para repetir os termos utilizados numa conversa grampeada pela polícia- a conta bancária
do "chefe lá de Brasília". A saber,
um certo Paulinho.
"Lá em Brasília", abre-se no
Conselho de Ética da Câmara um
processo contra o deputado pedetista. E este, que alega ser perseguido "pelas elites", conta com
o foro privilegiado para responder às investigações da PF.
Poucas vezes a desculpa de se
dizer vítima das elites terá sido
menos convincente. Originário
de uma central sindical sempre
disposta ao diálogo "de resultados" com o patronato, Paulinho é
um caso típico da ascensão da
burocracia sindical a posições
estratégicas no Estado.
Processo em que, de resto, velhos "xiitas" e clássicos "pelegos"
convergem -com as bênçãos do
presidente Lula.
Veio deste, com efeito, a decisão de canalizar a arrecadação do
imposto sindical para as centrais
trabalhistas -que em outros
tempos viam no mecanismo,
corretamente, um fator de atraso
e inautenticidade na organização dos assalariados. É assim que
todo trabalhador, independentemente de sua adesão a um sindicato, continua a ter descontada
uma parcela de seu salário para
alimentar a força da elite sindical
de plantão.
Os resultados desse sindicalismo começam a aparecer. Resta
acompanhar seu desenvolvimento na Justiça, e a melancólica repetição do ciclo de escândalos que acomete a política brasileira. A menos que Paulinho não
seja Paulinho. Sempre surgem
outros, aliás.
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