São Paulo, segunda-feira, 29 de julho de 2002

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BORIS FAUSTO

É preciso ter carisma

Em breve entrevista a esta Folha (25/7), a atriz Patrícia Pilar, companheira de Ciro Gomes, disse algo como "Serra não tem jeito, ele não tem carisma", repetindo o que se afirma por todos os cantos, naturalmente para ressaltar que Ciro tem carisma.
É verdade. Serra -vale a insistência- não tem carisma. Mas será que essa constatação tem mesmo muita importância para fins de governo? Com a licença dos sociólogos, lembro em duas linhas o conceito de carisma, tal como definido por Max Weber. A dominação carismática -forma peculiar de poder- baseia-se na capacidade extraordinária de um líder para se apresentar como portador de uma missão, ou pelo menos de um dom, reconhecido por seus seguidores.
Nos dias de hoje, num mundo em que as imagens se transformaram em essência, o carisma tem uma dimensão imagética maior -o candidato inspira ou não segurança, seus olhos brilham ou não, seu rosto espelha, ou não, uma variedade de sentimentos etc. O carisma encerra qualidades e defeitos. Se, de um lado, pode ser um indicador de capacidade, pode ocultar, ao contrário, o vazio de idéias ou, pior do que isso, a perversão das idéias, como o exemplo extremo de um Hitler demonstra.
Voltemos a Serra. A ausência de carisma vem ocultando e desvalorizando as qualidades de Serra como homem público. Aponto, rapidamente, algumas dessas qualidades. O candidato do PSDB-PMDB tem uma longa e coerente carreira política, assim como uma linha ética de conduta que não sofre restrições. Não precisa embarcar -pode até ser tentado a fazê-lo- na defesa de programas "Papai Noel" de última hora, trombeteados por outros candidatos, que, ao longo dos anos, caracterizaram-se pela incoerência de idéias e pelas frases de efeito.
Exemplificando, no terreno crucial da economia, desde o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique, Serra defendeu pontos de vista envolvendo temas como a maior ênfase no crescimento econômico, ou uma política industrial mais agressiva. Tal perspectiva, que bem representa o lema de "continuidade sem continuísmo", segue a linha da recusa dos "milagres" envenenados que caracterizou o atual governo.
Por outro lado, é lamentável que discussões personalistas estejam quase sepultando as realizações do candidato no Ministério da Saúde, onde revelou, como poucos -no caso dos genéricos e do combate à Aids-, muita coragem diante da grande indústria farmacêutica.
Afinal, politicamente, se olharmos o conteúdo das alianças, "o quem está com quem", o fato é que Serra é, de longe, o candidato mais distante de oligarcas e cidadãos de comportamento no mínimo suspeito. Basta conferir, mesmo sem citar nomes.
É por tudo isso que a queda de Serra nas pesquisas causa preocupação a muita gente. E é por isso que, na minha opinião (as discordâncias são naturais), é preciso lutar para que esse quadro possa ser alterado.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.



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