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CARLOS HEITOR CONY
O termômetro das missões
RIO DE JANEIRO - Na parede principal do refeitório, havia um enorme
termômetro indicando as doações
que cada turma dava aos missionários da antiga Indochina, terra de infiéis. A cada domingo, o nível do termômetro subia: azul era a turma dos
menores, vermelho, a dos médios,
amarelo, a dos maiores. Subia também a tensão do seminário inteiro.
As doações eram modestas, mesmo
assim, pingávamos alguma moeda no
cofrinho ao lado, cada qual com a cor
de cada turma.
Certa vez vendi um dicionário latim-português, português-latim a um
colega que recebera mesada do pai.
Com isso, o vermelho do termômetro
subiu pra burro. Passamos duas, três
semanas arrotando vitória, mas não
adiantou, a turma dos menores tinha
um cara que era filho do dono de uma
usina em Campos, doou uma baba, o
azul superou o vermelho.
O menino rico cresceu, mudou de
turma, foi para a dos médios, depois
para a dos maiores. O termômetro subiu de acordo com ele, perdeu a graça,
foi desativado. Colocaram em seu lugar uma ceia do Senhor desbotada,
mas era a ceia de Rubens e o reitor
preferiu a tradicional, a de Leonardo
da Vinci.
Até que o menino, agora rapaz, foi
expulso por comportamento duvidoso e o termômetro, reativado, voltou a
seus dias de glória.
Não sei por que, estou lembrando o
termômetro das missões. Tantos anos
passados, nem me preocupo mais com
os missionários da Indochina, que
nem mais existe, embora os infiéis
continuem fiéis a seus estranhos deuses.
Devem ser as pesquisas eleitorais
que a mídia publica, dia sim, dia não,
fazendo Ciro crescer, Serra baixar,
Lula voltar ao nível habitual e Garotinho ficar sem doadores.
No fundo, a parada será decidida
por um filho de usineiro ou filho de
outra coisa, até que ele seja expulso
da coletividade por comportamento
duvidoso.
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