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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Para começar a crescer
O Brasil , dizem todos, precisa
voltar a crescer. Mas como? Imagina-se que o crescimento ocorra
sempre que se preencham certas condições: a matéria das "reformas". Essa
idéia é falsa. Não se conserta o país para depois crescer. Temos de crescer na
marra e fazer consertos em movimento.
Proponho, por isso, operação mais
parecida com mobilização de guerra
do que com organização da paz. Desdobrada em sete iniciativas simultâneas.
Em primeiro lugar, começar a fechar
os caminhos de fuga do capital brasileiro. Para aumentar a capacidade do
governo de torcer os braços de seus
credores e para neutralizar a chantagem cambial. Com isso, forçar baixa
dos juros e alongamento dos prazos
dos títulos da dívida pública. Chegar
ao limite do "default" sem transpô-lo.
Em segundo lugar, chamar os empresários de cada setor e negociar investimentos em troca de concessões,
sejam de imposto ou de regulação. O
empresário que descumpir pagará em
dobro pela ajuda que desperdiçou.
Tudo reduzido a termo, às claras, sob
os olhos do país. Ponto de partida para construir maneira de combinar
ação pública com iniciativa privada
que nos permita superar a escolha entre Estado passivo e Estado rendido a
"lobbies".
Em terceiro lugar, manter e aprofundar o sacrifício fiscal, em troca de
simplificação tributária radical e de
margem maior do governo para fazer
concessões tributárias às empresas
que se comprometam em investir.
Em quarto lugar, fornecer ao crescimento o combustível do poder aquisitivo. Partir dos extremos da hierarquia salarial. Em cima, pela generalização do princípio constitucional de
participação dos empregados nos lucros das empresas. Em baixo, pelos
subsídios, tributários ou creditícios, a
quem empregue e qualifique trabalhador desqualificado. Suprimir os encargos que pesam sobre a folha salarial, financiando os direitos com os
impostos gerais.
Em quinto lugar, construir tipo de
política industrial que substitua ordens e acertos por experimentos e realidades: a identificação, a instrumentalização e a propagação das práticas
locais que deram certo. E que combine democratização do acesso ao crédito com democratização do acesso a
tecnologia. O meio para dar choque de
crédito e para destruir o cartel bancário é autorizar amplo conjunto de organizações privadas e públicas a fazer
o que seria, mas entre nós não é, o negócio central de um banco: mobilizar
a poupança para a produção.
Em sexto lugar, atacar o tráfico de
influência e a mistura de campanha
eleitoral e de partido político com dinheiro de empresário. Sem isso, o Brasil respira veneno.
Em sétimo lugar, fazer muito com
pouco no ensino público: multiplicando as ilhas de excelência e assegurando apoio integral às crianças mais
aplicadas ou talentosas. O resultado,
em escalada de ambição e de vigor, será imediato.
O atual governo, cuja orientação esta
coluna vem criticando fervorosamente, está cheio de brasileiros sérios e
desprendidos. Que se volte ele para
projeto como esse, substituindo o corporativismo pelos interesses do trabalho e da produção em vez de substituí-lo por aliança entre os financistas e os
famintos. Entusiasmará o país, tão rico em energia frustrada. Dará ao Brasil a reforma mestra: a reforma da
idéia que nos dirige.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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