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São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Para começar a crescer

O Brasil , dizem todos, precisa voltar a crescer. Mas como? Imagina-se que o crescimento ocorra sempre que se preencham certas condições: a matéria das "reformas". Essa idéia é falsa. Não se conserta o país para depois crescer. Temos de crescer na marra e fazer consertos em movimento.
Proponho, por isso, operação mais parecida com mobilização de guerra do que com organização da paz. Desdobrada em sete iniciativas simultâneas.
Em primeiro lugar, começar a fechar os caminhos de fuga do capital brasileiro. Para aumentar a capacidade do governo de torcer os braços de seus credores e para neutralizar a chantagem cambial. Com isso, forçar baixa dos juros e alongamento dos prazos dos títulos da dívida pública. Chegar ao limite do "default" sem transpô-lo.
Em segundo lugar, chamar os empresários de cada setor e negociar investimentos em troca de concessões, sejam de imposto ou de regulação. O empresário que descumpir pagará em dobro pela ajuda que desperdiçou. Tudo reduzido a termo, às claras, sob os olhos do país. Ponto de partida para construir maneira de combinar ação pública com iniciativa privada que nos permita superar a escolha entre Estado passivo e Estado rendido a "lobbies".
Em terceiro lugar, manter e aprofundar o sacrifício fiscal, em troca de simplificação tributária radical e de margem maior do governo para fazer concessões tributárias às empresas que se comprometam em investir.
Em quarto lugar, fornecer ao crescimento o combustível do poder aquisitivo. Partir dos extremos da hierarquia salarial. Em cima, pela generalização do princípio constitucional de participação dos empregados nos lucros das empresas. Em baixo, pelos subsídios, tributários ou creditícios, a quem empregue e qualifique trabalhador desqualificado. Suprimir os encargos que pesam sobre a folha salarial, financiando os direitos com os impostos gerais.
Em quinto lugar, construir tipo de política industrial que substitua ordens e acertos por experimentos e realidades: a identificação, a instrumentalização e a propagação das práticas locais que deram certo. E que combine democratização do acesso ao crédito com democratização do acesso a tecnologia. O meio para dar choque de crédito e para destruir o cartel bancário é autorizar amplo conjunto de organizações privadas e públicas a fazer o que seria, mas entre nós não é, o negócio central de um banco: mobilizar a poupança para a produção.
Em sexto lugar, atacar o tráfico de influência e a mistura de campanha eleitoral e de partido político com dinheiro de empresário. Sem isso, o Brasil respira veneno.
Em sétimo lugar, fazer muito com pouco no ensino público: multiplicando as ilhas de excelência e assegurando apoio integral às crianças mais aplicadas ou talentosas. O resultado, em escalada de ambição e de vigor, será imediato.
O atual governo, cuja orientação esta coluna vem criticando fervorosamente, está cheio de brasileiros sérios e desprendidos. Que se volte ele para projeto como esse, substituindo o corporativismo pelos interesses do trabalho e da produção em vez de substituí-lo por aliança entre os financistas e os famintos. Entusiasmará o país, tão rico em energia frustrada. Dará ao Brasil a reforma mestra: a reforma da idéia que nos dirige.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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