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CARLOS HEITOR CONY
O menino Salvyano
RIO DE JANEIRO - Dá para compreender a perplexidade dos velhos
militantes do PT que permanecem
desnorteados com a situação em que
se encontram. Durante anos, anos
duros por sinal, eles brandiram a
bandeira vermelha, fizeram greves e
concentrações gigantescas, mobilizaram a classe operária e os puros de
coração de outras classes sociais,
acreditaram que bastavam vontade
política, honestidade e trabalho para
resolver os problemas nacionais.
Em três ocasiões diferentes, chegaram perto do poder e, no último instante, enfrentando coligações que
misturavam no mesmo saco diversos
tipos de farinha, tiveram o pão arrancado da boca. Eis que, em outubro passado, seguindo o exemplo dos
adversários, toparam misturar farinhas contraditórias no grande e histórico saco, bem maior e surpreendente do que o saco do Papai Noel.
Chegaram lá. E nada mais natural
que se iniciasse a redenção nacional,
com os trabalhadores levados a sério,
com salários justos, emprego pleno,
garantias sociais. Exaustos de sofrer
as prioridades de governos como o de
FHC, acreditavam que os guarda-livros seriam aposentados, os juros reduzidos, as dívidas com os banqueiros e com o capital internacional reavaliadas de forma a não prejudicar o
crescimento econômico que beneficiaria a todos, inclusive aos credores,
que poderiam ser pagos sem necessidade de asfixiar o desenvolvimento
nacional.
Em 1935, durante os poucos dias em
que o movimento comunista daquele
ano explodiu em algumas capitais,
sobretudo em Natal, o povão pensou
que o regime mudara e que tudo era
de todos. Bondes e ônibus foram considerados bens públicos, e ninguém
pagava nada para andar neles. Foi
uma farra. O menino Salvyano Cavalcanti de Paiva ficou dois dias pendurado no estribo de um bonde, andando de graça e saudando os novos
tempos que chegavam.
Durou pouco a alegria. O governo
reprimiu o movimento e tudo voltou
a ser como antes. Não sei por que estou lembrando disso agora.
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