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São Paulo, terça-feira, 29 de julho de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

O menino Salvyano

RIO DE JANEIRO - Dá para compreender a perplexidade dos velhos militantes do PT que permanecem desnorteados com a situação em que se encontram. Durante anos, anos duros por sinal, eles brandiram a bandeira vermelha, fizeram greves e concentrações gigantescas, mobilizaram a classe operária e os puros de coração de outras classes sociais, acreditaram que bastavam vontade política, honestidade e trabalho para resolver os problemas nacionais.
Em três ocasiões diferentes, chegaram perto do poder e, no último instante, enfrentando coligações que misturavam no mesmo saco diversos tipos de farinha, tiveram o pão arrancado da boca. Eis que, em outubro passado, seguindo o exemplo dos adversários, toparam misturar farinhas contraditórias no grande e histórico saco, bem maior e surpreendente do que o saco do Papai Noel.
Chegaram lá. E nada mais natural que se iniciasse a redenção nacional, com os trabalhadores levados a sério, com salários justos, emprego pleno, garantias sociais. Exaustos de sofrer as prioridades de governos como o de FHC, acreditavam que os guarda-livros seriam aposentados, os juros reduzidos, as dívidas com os banqueiros e com o capital internacional reavaliadas de forma a não prejudicar o crescimento econômico que beneficiaria a todos, inclusive aos credores, que poderiam ser pagos sem necessidade de asfixiar o desenvolvimento nacional.
Em 1935, durante os poucos dias em que o movimento comunista daquele ano explodiu em algumas capitais, sobretudo em Natal, o povão pensou que o regime mudara e que tudo era de todos. Bondes e ônibus foram considerados bens públicos, e ninguém pagava nada para andar neles. Foi uma farra. O menino Salvyano Cavalcanti de Paiva ficou dois dias pendurado no estribo de um bonde, andando de graça e saudando os novos tempos que chegavam.
Durou pouco a alegria. O governo reprimiu o movimento e tudo voltou a ser como antes. Não sei por que estou lembrando disso agora.


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