São Paulo, quinta-feira, 29 de julho de 2004

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OTAVIO FRIAS FILHO

O anti-Bush

O pensamento "progressista" ou de centro-esquerda nos Estados Unidos, chamado de "liberal" na terminologia americana, sempre teve pouca expressão política. Muito presente nos meios de comunicação, no ambiente universitário e na indústria do entretenimento, sua força eleitoral se concentra em grandes centros como Chicago, Nova York e Boston.
Numa sociedade próspera e estável como aquela, é normal que a grande maioria do eleitorado se aglomere em redor de posições centristas. Também não é surpresa que haja pouca diferença entre os dois principais partidos. O Democrata, mais "liberal", conta com uma ala sulista de direita, assim como o Republicano tem sua facção "progressista" no norte.
Nas duas vezes em que os democratas indicaram candidatos "progressistas" foram amplamente derrotados. Adlai Stevenson, ícone da intelectualidade "liberal" na década de 50, perdeu duas vezes para o general Eisenhower. E George McGovern -expressão política da contracultura dos anos 60- teve, contra Nixon em 72, o pior desempenho de um candidato democrata na história moderna.
Com a derrocada do bloco socialista, em 89-91, todo o espectro da política mundial se deslocou para a direita. Assim como os social-democratas europeus, o Partido Democrata americano, sob a liderança de Clinton, passou a adotar uma atitude mais amistosa para com as empresas e o mundo dos negócios. Foi mérito do ex-presidente democrata promover essa conversão sem que o partido perdesse a aura de campeão dos despossuídos.
Foi a doutrina ultradireitista do atual presidente Bush, posta em movimento pelos atentados de 11 de Setembro, que propiciou aos democratas levantar a bandeira da reconciliação nacional sob um presidente que corresponda ao ideal de moderação política do país. O documentário "Fahrenheit 9/11", de Michael Moore, brilhante e faccioso, ilustra bem o clima intelectual de revanche anti-Bush.
O candidato John Kerry, que faz hoje seu discurso de aceitação na convenção do partido em sua cidade natal, a "progressista" Boston dos Kennedys, parece escolhido para não repetir os fiascos de Stevenson e McGovern, que alienaram o centro. Tudo indica que sua principal dificuldade estará, bem ao contrário, na imagem demasiado fluida e incerta, que, em vez de equilíbrio, pode sugerir hesitação.
Kerry lutou com distinção no Vietnã e depois liderou um movimento de veteranos contra a guerra. Por incrível que pareça, votou a favor da invasão do Iraque por Bush e, a seguir, votou contra o pacote de ajuda econômica ao país invadido. As pesquisas mostram equilíbrio na disputa, como é comum nos EUA. A minoria que decide as eleições poderá optar por Bush porque Kerry, não sendo tão diferente dele, parece apenas menos determinado.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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