São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 2002

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CLÓVIS ROSSI

A última virgem

SÃO PAULO - A anestesia de boa parte do público, estimulada por um setor do jornalismo, faz com que a aberração passe por normalidade no jogo eleitoral em andamento.
A mais recente aberração, engolida como se fosse a coisa mais natural do mundo, é o abraço entre Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato do PT, e o ex-presidente José Sarney.
Nada contra alianças, é bom esclarecer de saída. Mas tudo contra alianças que não incluam um "erramos" a respeito do comportamento das partes no passado.
Nesse caso, ou José Sarney faz uma autocrítica e diz que o PT tinha toda a razão em esculhambá-lo como fez durante os seus cinco anos de governo, ou o PT é que vem a público para dizer que Sarney foi um presidente ao menos razoável.
Sem esse "erramos" de uma parte, de outra ou de ambas, a aliança de agora equivale a vender a alma para ganhar a eleição -para usar expressão de Ciro Gomes (ele próprio sem autoridade moral para utilizá-la depois de juntar no mesmo saco fisiológicos, ressentidos e alguns ideológicos, como se todos fossem de fato "trabalhistas" desde o berço).
Não me venha o leitor petista com o argumento de que todos fazem esse tipo de aliança esdrúxula. É verdade, mas é, para os outros, verdade antiga. Aos olhos do PT, venderam a alma antes (no discutível pressuposto de que de fato a tivessem).
O PT, ao contrário, pretendia-se a virgem no bordel que dizia ser a política tupiniquim. Agora, até chama os fotógrafos para testemunhar um defloramento após o outro.
Repito: nada contra alianças. Mas o eleitor tem o direito de saber por que Sarney de repente virou cidadão de bem aos olhos do PT, que antes o acusava até de "grilagem" de terras. Política não pode ser feita, eternamente, ao ritmo de esqueçam o que eu escrevi, esqueçam o que eu disse, esqueçam quem eu fui.


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