São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 2002

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Dona Jura contra o neocirismo

Parece que o milk Scheinkman de Ciro Gomes desandou no bar de Dona Jura. Tudo indica que teremos um setembro muito mais animado do que faziam supor os coveiros de véspera da candidatura tucana.
Derreteram em uma noite, após uma semana de campanha na TV, previsões repetidas à exaustão sobre o placar do primeiro turno. A subida de Serra e a queda de Ciro destroem, até segunda ordem, as expectativas de que o candidato do governo iria desempenhar papel de figurante de luxo.
A receita de Nizan Guanaes até aqui se revelou eficaz: bombardeou Ciro, por um lado, e entupiu o horário tucano de artistas populares, por outro. Nos dois casos, sem muito pudor, como manda o marketing político pressionado pelo desespero. De Guanaes, que já comparou o PT ao Taleban e anunciou que iria invadir Cabul no auge da cruzada norte-americana, pode-se, aliás, esperar qualquer tipo de arte. A campanha de Ciro, anestesiada numa espécie de transe pelo êxito súbito, deve finalmente reagir nos termos do adversário.
Salta à vista, de qualquer modo, o contraste entre uma campanha detalhadamente maquinada por uma brigada de profissionais do ramo -a de Serra- e o mambembismo da outra, refém em demasia do brilho performático do próprio candidato.
O que se viu da Frente Trabalhista na TV até agora, aliás, traduz mais uma vez o voluntarismo dessa candidatura, cujo programa de governo, na verdade uma "work in progress" só disponível na internet, está a cargo de um brilhante professor, desde já candidato ao título de Enéas de Harvard.
Numa campanha em que Roseana Sarney foi do céu ao inferno e na qual o próprio Serra já viveu a sua ascensão e queda para agora ressuscitar, é bom ter cautela com as palavras. Coisa que faltou a Ciro na semana passada, quando disse já estar "sentindo o cheirinho gostoso da vitória".
Abraçado ao PL, ao quercismo e ao patriarca da oligarquia maranhense, Lula, bem embalado pelo sentimentalismo de resultados de Duda Mendonça, tende a se beneficiar agora da guerra dos outros. Tudo o que o PT não quer, porém, é enfrentar Serra depois.
A mudança de expectativas no cenário eleitoral apanhou o cirismo num momento de troca de casca. Nas últimas semanas, a mesma imprensa que enterrou Serra com certo atropelo registrou corretamente o namoro de setores do empresariado e do pensamento econômico liberal (ambos ligados por afinidades várias a FHC) com a candidatura do PPS. Excetuando-se as suas frequentes recaídas, Ciro vinha fazendo um esforço coordenado para se tornar mais palatável aos donos do banquete.
Não é outro o sentido do convite a José Alexandre Scheinkman, menos útil pelas idéias que porventura tenha para consertar o país e muito mais pelo verniz de confiabilidade que possa emprestar a uma candidatura que funciona à base do radicalismo verbal, como uma espécie de ventoinha soprando ora à esquerda, ora à direita.
No momento em que parecia começar a se distanciar da ficção do trabalhismo para tentar amarrar com o amigo Tasso uma coalizão de poder de carne e osso, Ciro foi golpeado pela subida de Serra. Resta esperar para ver quantas aves do neocirismo vão bater asas na direção do ninho tucano.


Fernando de Barros e Silva é editor de Brasil. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Otavio Frias Filho, que escreve às quintas-feiras nesta coluna.



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