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JOSÉ SARNEY
Quebrar caixas
A tragédia na base de lançamento de foguetes de Alcântara,
no Maranhão, foi frustração e comoção. Foram perdas tecnológicas, científicas, dinheiro, tempo e trabalho.
Mas as perdas humanas, impossíveis
de repor, doem mais. Chorá-las é pouco. Há o lado humano, da morte e das
famílias. Saí dilacerado da cerimônia
fúnebre de São José dos Campos.
Como disse o presidente Lula, a melhor maneira de reverenciar as vítimas
é não abandonar o projeto, é consolidá-lo e reconquistar o tempo perdido.
Os que morreram tiveram suas vidas envolvidas no idealismo da FAB
ao construir o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), que frutificou
no Centro Técnico Aeroespacial, com
seus institutos de Aeronáutica e Espaço e de Estudos Avançados, Fomento
e Coordenação Industrial, berços da
missão espacial completa brasileira,
destinada a colocar o Brasil no clube
fechado da indústria espacial.
Em 1989, visitei o Fermilab, o grande
laboratório americano de pesquisa física. Ali o professor Lederman, Prêmio Nobel e descobridor da partícula
neutrino, me explicou, com a facilidade dos homens que sabem e não cultivam a enrolação: "Aqui, estamos brincando de quebrar caixas de segredo,
em busca da partícula fundamental da
matéria. Quebramos uma, e dentro
dela há outra caixa; quebramos mais
outra, e há outra mais; e assim continuaremos quebrando até encontrarmos a última". Ali estavam também físicos brasileiros, a equipe do professor
Santoro, atrás da caixinha final. O projeto de Alcântara é essa perseverança.
A base de Alcântara consome metade do propelente e carrega o dobro de
carga útil que vai ao espaço. Não podemos jogar fora esse trunfo dado por
Deus ao Brasil.
Quando perdemos nosso segundo
foguete, escrevi nesta coluna da Folha
que a pesquisa espacial tinha entrado
em fase de agonia, sem dinheiro e sem
política de pessoal. Não segurávamos
os nossos cientistas e não tínhamos
condições de recrutar novos. No meu
governo, mantivemos uma média
anual de investimentos em ciência e
tecnologia acima de 1% do PIB. Em
1989, gastamos no programa espacial
US$ 102 milhões; no ano passado,
descemos a menos de US$ 20 milhões.
Doze anos com orçamentos miseráveis e declinantes.
Todo o conhecimento humano é resultado da acumulação da aventura
do homem na face da Terra. Como os
portulanos eram guardados a sete
chaves, hoje os países avançados defendem, como o comércio, o monopólio do saber. Fazem isso de todas as
maneiras, com pressões econômicas,
financeiras e diplomáticas. Daí as dificuldades. Ninguém disponibiliza tecnologia. A nossos técnicos resta o caminho do pioneirismo e da invenção.
O projeto VLS é afirmação de poder,
é um passo definitivo para o Brasil. Os
países sem acesso ao conhecimento
serão, inevitavelmente, destinados a
uma nova forma de escravidão: a
científica e cultural. O Brasil, sem ter
tecnologia de ponta, jamais será potência econômica.
Quebrar as caixas, dominar conhecimento, com coragem e obstinação,
faz parte da aventura do futuro.
José Sarney escreve às sextas nesta coluna.
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