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São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 2003

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JOSÉ SARNEY

Quebrar caixas

A tragédia na base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão, foi frustração e comoção. Foram perdas tecnológicas, científicas, dinheiro, tempo e trabalho. Mas as perdas humanas, impossíveis de repor, doem mais. Chorá-las é pouco. Há o lado humano, da morte e das famílias. Saí dilacerado da cerimônia fúnebre de São José dos Campos.
Como disse o presidente Lula, a melhor maneira de reverenciar as vítimas é não abandonar o projeto, é consolidá-lo e reconquistar o tempo perdido.
Os que morreram tiveram suas vidas envolvidas no idealismo da FAB ao construir o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), que frutificou no Centro Técnico Aeroespacial, com seus institutos de Aeronáutica e Espaço e de Estudos Avançados, Fomento e Coordenação Industrial, berços da missão espacial completa brasileira, destinada a colocar o Brasil no clube fechado da indústria espacial.
Em 1989, visitei o Fermilab, o grande laboratório americano de pesquisa física. Ali o professor Lederman, Prêmio Nobel e descobridor da partícula neutrino, me explicou, com a facilidade dos homens que sabem e não cultivam a enrolação: "Aqui, estamos brincando de quebrar caixas de segredo, em busca da partícula fundamental da matéria. Quebramos uma, e dentro dela há outra caixa; quebramos mais outra, e há outra mais; e assim continuaremos quebrando até encontrarmos a última". Ali estavam também físicos brasileiros, a equipe do professor Santoro, atrás da caixinha final. O projeto de Alcântara é essa perseverança.
A base de Alcântara consome metade do propelente e carrega o dobro de carga útil que vai ao espaço. Não podemos jogar fora esse trunfo dado por Deus ao Brasil.
Quando perdemos nosso segundo foguete, escrevi nesta coluna da Folha que a pesquisa espacial tinha entrado em fase de agonia, sem dinheiro e sem política de pessoal. Não segurávamos os nossos cientistas e não tínhamos condições de recrutar novos. No meu governo, mantivemos uma média anual de investimentos em ciência e tecnologia acima de 1% do PIB. Em 1989, gastamos no programa espacial US$ 102 milhões; no ano passado, descemos a menos de US$ 20 milhões. Doze anos com orçamentos miseráveis e declinantes.
Todo o conhecimento humano é resultado da acumulação da aventura do homem na face da Terra. Como os portulanos eram guardados a sete chaves, hoje os países avançados defendem, como o comércio, o monopólio do saber. Fazem isso de todas as maneiras, com pressões econômicas, financeiras e diplomáticas. Daí as dificuldades. Ninguém disponibiliza tecnologia. A nossos técnicos resta o caminho do pioneirismo e da invenção.
O projeto VLS é afirmação de poder, é um passo definitivo para o Brasil. Os países sem acesso ao conhecimento serão, inevitavelmente, destinados a uma nova forma de escravidão: a científica e cultural. O Brasil, sem ter tecnologia de ponta, jamais será potência econômica.
Quebrar as caixas, dominar conhecimento, com coragem e obstinação, faz parte da aventura do futuro.


José Sarney escreve às sextas nesta coluna.


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