São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

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LIMITES DA ECONOMIA

A ata da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), divulgada na quinta-feira, serviu para reforçar as apreensões sobre um novo aumento da taxa básica de juros (Selic), que se encontra estacionada em 16% desde abril. A autoridade monetária manifestou cautela quanto ao comportamento da trajetória de inflação, que não se mostra compatível com as metas estabelecidas. A principal preocupação diz respeito ao objetivo fixado para o ano que vem.
Numa decisão questionável do governo, a meta de inflação para 2005 foi mantida em 4,5%, quando os sinais de que ela seria por demais ambiciosa já eram claros. As projeções apontam que a inflação de 2004 deverá ficar acima dos 7%, o que transforma a tarefa de reduzi-la para 4,5% em 12 meses num perigoso desafio.
Mesmo já tendo admitido tacitamente que a margem de tolerância de 2,5 pontos percentuais será utilizada, o que eleva a meta para 7%, o Copom notou uma deterioração do cenário devido à "elevação dos preços internacionais de insumos", notadamente o do petróleo. A ata também levantou incertezas quanto ao equilíbrio entre oferta e demanda, referindo-se aos riscos de um "descompasso" que poderia ter resultados danosos para a inflação.
Esta Folha tem se manifestado favoravelmente a uma revisão dos critérios que presidem o sistema de metas de inflação. Eles têm se revelado problemáticos numa economia, como a brasileira, ainda em busca de maior estabilidade e bastante dependente de fatores externos.
O aperfeiçoamento desse sistema deveria levar em conta pelo menos dois aspectos. O primeiro deles diz respeito ao índice utilizado para fixar as metas. Seria desejável que dele fosse aliviado o peso dos preços indexados, como as tarifas públicas, que trazem para o presente efeitos inflacionários passados. Além disso, merece atenção a proposta de desvincular as metas do período de 12 meses do ano-calendário.
Parece, de fato, pouco racional impor sacrifícios à economia do país para cumprir em dezembro uma meta que poderia revelar-se factível alguns meses depois. São questões que já foram tratadas por diversos economistas, mas que não encontraram eco no governo, talvez pelo temor de que mudanças desse tipo pudessem ser interpretadas pelos agentes econômicos como um sinal de leniência com a inflação.
Essas modificações tornariam a administração das metas mais razoável, mas certamente não eliminariam os problemas reais, como o baixo nível de investimento e a ausência de oferta de crédito de longo prazo a taxas compatíveis com a rentabilidade da atividade produtiva. A questão é fundamental, pois esses fatores contribuem para limitar as perspectivas de crescimento e gerar pressões inflacionárias. Sem investimentos em infra-estrutura e na ampliação da capacidade produtiva, permanecerá o risco da dinâmica do "stop and go", com episódios de crescimento interrompidos por desequilíbrios.
Ao sugerir que poderá elevar os juros, como já havia feito em julho, o Copom parece tentar esfriar em alguns graus as expectativas expansionistas, provocando aumentos nos juros projetados para o futuro -sem precisar subir a taxa básica. A estratégia tem a vantagem de evitar que a elevação da Selic amplie ainda mais a dívida pública, mas também explicita os limites da economia brasileira. Pois não é apenas o fator externo representado pelo petróleo que deixa o BC na defensiva, mas o fato de que um crescimento mediano, na casa dos 4%, já é encarado como uma ameaça potencial à inflação.


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