São Paulo, terça-feira, 29 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A crise é institucional

LUIZ CARLOS SANTOS

Não bastam modificações nos sistemas eleitoral ou político-partidário. É preciso fazer uma reforma profunda do Estado brasileiro

O PROFESSOR americano Douglas North, Prêmio Nobel de economia em 1993, afirma que só vão progredir os países que desenvolverem instituições sólidas. O alerta vale para o Brasil. Nos últimos 50 anos, o país sofreu diversas crises político-institucionais: Getúlio Vargas se suicidou, Jânio Quadros renunciou e João Goulart, seu vice, quase não conseguiu assumir -e depois foi deposto-, e Juscelino Kubitschek foi para o exílio. Houve, ainda, um longo período de ditadura e um presidente (Collor) que sofreu impeachment.
O nosso modelo político, partidário, eleitoral e institucional está falido, agonizante, mas resiste. É necessário readequar os termos do relacionamento entre Executivo e Legislativo. Já não é mais possível suportar um sistema em que o governo tem de fazer a maioria e ser responsável pela base parlamentar, em vez de a maioria fazer o governo.
Esse é o principal fator indutor da corrupção. A maioria para permitir mudanças constitucionais é de, no mínimo, 308 deputados. Como não existe fidelidade partidária, as maiorias conquistadas são eventuais e administradas por "mensalões", emendas e cargos no governo.
A fragilidade partidária é assustadora. Só no ano passado, 192 deputados mudaram de partidos, somando 363 mudanças, já que alguns mudaram mais de uma vez. O Legislativo é vulnerável por causa das medidas provisórias, que atentam contra sua soberania e suas prerrogativas, praticamente imobilizando o Poder. Neste ano, 84% das sessões deliberativas estiveram bloqueadas por medidas provisórias, e só houve 11 sessões livres.
Para mudar esse quadro, não bastam modificações no sistema eleitoral ou no sistema político-partidário. É absolutamente necessária uma reforma profunda do Estado brasileiro. Ou seja: sua reconstrução institucional.
Foi com esse pensamento que apresentei, no início desta legislatura, uma proposta de revisão constitucional com a missão específica de corrigir rumos, adequar as instituições e eliminar artificialidades e pormenores, revitalizando o primado do Estado de Direito e a governabilidade, sem a qual não é possível promover o desenvolvimento e a justiça social.
A revisão propõe: 1) deputados e senadores que assumem em 1º de fevereiro de 2007 terão poderes revisores por 12 meses; 2) as alterações serão aprovadas por maioria absoluta, em votação unicameral; 3) ficam preservadas as cláusulas pétreas e o capítulo 2º, com os direitos sociais; 4) o texto final terá de ser aprovado em um referendo nacional (sugestão do relator na Comissão de Constituição e Justiça, deputado Michel Temer).
As matérias passíveis de revisão são as constantes do art. 3º da proposição, nos termos apresentados pelo relator na Comissão de Mérito, deputado Roberto Magalhães. ("Art.3º. A revisão constitucional terá por objetivo as seguintes matérias: I - a organização dos Poderes; II - o sistema eleitoral e partidário; III - o sistema tributário nacional e as finanças públicas; IV - a organização e as competências das unidades da federação; V - o sistema financeiro nacional.") A partir disso, é possível vislumbrar os principais temas e questões a serem enfrentados pela Assembléia revisora:
1) A organização dos Poderes. Esse ponto, talvez o principal da revisão constitucional, permitirá a reformulação de questões como o sistema de governo, o processo legislativo e o Poder Judiciário, além do relacionamento entre Executivo e Legislativo.
Nosso sistema de governo é indefinido. "Não é parlamentarista, nem presidencialista, nem uma mistura razoável dos dois sistemas", como disse o saudoso professor Miguel Reale.
2) Os sistemas eleitoral e partidário. Aqui, serão redefinidos todos os itens da chamada reforma política.
3) Sistema tributário e finanças públicas. O regime tributário, por exemplo, precisa ser racionalizado para reequacionar a carga tributária e as parcelas da arrecadação a serem destinadas a Estados e municípios. Cabe também rediscutir as normas de mediação da chamada guerra fiscal, para impedir que prejudique o desenvolvimento econômico do país, assim como rediscutir as regras de elaboração e execução do Orçamento.
4) A organização e as competências das unidades da Federação. Cuida de dar novos contornos ao pacto federativo, distribuindo encargos e competências entre as unidades federativas em sintonia com a reforma tributária.
5) O sistema financeiro nacional. O texto constitucional originário foi excessivamente detalhista com o sistema financeiro nacional, abrindo espaço para imprudências -como o limite de juros reais, que, até hoje, se debate nas vias judiciárias.
Hoje, o destino nos empurra para o resgate da oportunidade perdida em 1993, o qual se traduzirá no grande pacto social que temos de construir. A luta é entre o Brasil arcaico e o Brasil moderno. Resta-nos escolher.


LUIZ CARLOS SANTOS, advogado e administrador de empresas, é deputado federal pelo PFL-SP.

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Aldo Rebelo: Pelo fim do voto secreto

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.