|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Eu e a brisa
RIO DE JANEIRO - Gore Vidal dividiu a humanidade entre os que amam
Roma e os que a detestam. Fidel Castro, mais prático, dividiu a espécie
humana entre aqueles que fumam
charuto com anel ou sem anel. Esqueceu os que não fumam charuto.
Na opinião dele, quem não fumava
charuto não merecia pertencer à humana espécie.
Adotando o radicalismo de Gore
Vidal e de Fidel Castro, prefiro dividir homens e mulheres entre aqueles
que têm medo do vento e aqueles que
não o temem. Durante anos, não
conseguia explicar este medo ao vento, não ao vendaval que destrói casas
e pessoas, mas ao simples vento que
muitas vezes não passa de uma brisa
suave, inofensiva e casta.
Numa epígrafe complicada, Guimarães Rosa descobriu que o diabo
está no meio do redemoinho, o "demo" bem visível no meio da palavra e
nos redemoinhos que a tradição popular associa à presença do diabo.
Não temo o diabo, mas tenho medo
do vento. Ele bate portas e janelas,
faz balançar as cortinas, levanta a
poeira do chão -é um ser invisível,
que existe física e moralmente, alterando a ordem e a quietude das coisas.
Milagres e sortilégios vários costumam ser precedidos por uma brisa, e
nunca se sabe se o vento traz boas ou
más notícias, mas sempre traz alguma coisa. Daí a expressão: que bons
ventos o trazem? Pior do que os bons
ventos são os ventos contrários que
nos levam a caminhos equivocados.
Setembro antigo, num dia de sol,
tudo calmo no universo, Mila e eu
passeávamos no Arpoador quando
uma rajada de vento deslocou o toldo azul de uma barraquinha que
vendia milho verde. O toldo passou
sobre nossas cabeças, como um fantasma inesperado e ridículo.
Mila tinha pavor do vento, quis pular para o meu colo sem suspeitar
que eu precisava do colo dela. O toldo caiu na areia da praia, o medo e o
susto duraram pouco. Mas nada no
mundo, e em nós, ficou como antes.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: As pesquisas Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Vitória na inflação Índice
|