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São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2003

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CLAUDIA ANTUNES

Justiça sumária

RIO DE JANEIRO - Os policiais militares do Rio que anteontem mataram o guardador de carros Leandro dos Santos Silva agiram na certeza de que ficariam impunes. Calcularam errado, mas a desfaçatez com que sequestraram, cobraram um "resgate" de R$ 2.000 de Silva e, por vingança, o mataram faz pensar se ainda é possível reformar as polícias.
Os PMs cometeram o assassinato um dia depois de o guardador ter ido dar queixa do sequestro de que fora vítima ao inspetor-geral da Secretaria de Segurança, recém-investido por Anthony Garotinho de poderes para sanear as polícias. O provável é que a notícia da "audácia" de Silva tenha chegado aos policiais, que anteciparam a cobrança de R$ 1.000 que ele ainda lhes devia.
Com Silva baleado na cabeça, estendido em frente à casa na favela Parada de Lucas, os PMs sacaram o "kit assassino": colocaram uma arma ao lado do corpo a fim de forjar um "auto de resistência", jargão para morte em confronto com a polícia, ocorrência que vem crescendo no Rio. Foram 132 casos em outubro, recorde mensal dos últimos cinco anos.
É nesse detalhe que a ênfase moralizadora do secretário Garotinho encontra o seu limite. Há poucos dias, em seu programa de rádio, ele comemorou a estatística: "Entre morrer um cidadão de bem, um policial ou um bandido que está armado, o que a gente vai fazer?". Na mesma linha, o comandante da PM, Renato Hottz, argumenta que também mais policiais estão morrendo em serviço devido à agressividade dos traficantes -foram quatro em outubro contra um no mesmo mês de 2002.
O problema é que não se trata de uma competição macabra de olho por olho, dente por dente. É o sinal verde para a justiça sumária que dá à polícia o poder para arrancar propinas tanto dos criminosos nas bocas-de-fumo como dos demais moradores de favelas. Além de uma questão ética, o que está em jogo é o resgate da credibilidade da corporação policial e a eficácia de qualquer política de segurança.


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