UOL




São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

As altas taxas de "spread" são responsabilidade dos bancos?

NÃO

Ação diversionária

ROBERTO LUIS TROSTER

É legítima e justa a reivindicação e preocupação de todos os setores da sociedade brasileira em baixar as altas taxas de juros cobradas pelos bancos. Pois é a barreira mais importante a ser superada para o Brasil voltar a crescer de forma sustentada.
É frequente ouvirmos discursos eloquentes contra os bancos, responsabilizando-os pelos juros altos que assolam a economia brasileira. Atribui-se a eles uma falta de transparência e concorrência, um desempenho ineficiente e uma voracidade insaciável. Alguns porta-vozes desse discurso são pessoas ligadas ao governo. Todavia trata-se de uma ação diversionária. Os juros não caem não é por falta de vontade dos bancos, e sim pela ausência de ações contundentes do governo.
A primeira ação a ser adotada relaciona-se à falta de transparência quanto às causas e aos custos dos juros bancários. O cálculo do "spread" (diferença entre o custo de captação do dinheiro e o que é cobrado do tomador) só é feito para uma parte do crédito -recursos livres-, e ignoram-se os créditos subsidiados e deficitários com que o setor bancário tem de arcar. Atualmente, 40% do crédito é o chamado crédito direcionado -rural, habitacional etc. Feito com juros abaixo da taxa básica do governo, esse valor sobe para mais da metade do financiamento bancário se incluídos os depósitos compulsórios. Ou seja, faz-se o cálculo apenas sobre uma parte, que dá lucro, e omite-se a parte deficitária.
Há outras distorções que devem ser consideradas. Sem uma ação incisiva de transparência, não haverá um diagnóstico adequado e, consequentemente, o problema persistirá.
A questão da concorrência bancária é colocada de forma difusa no debate; não há razões para não fazê-lo de forma direta, pois o setor bancário é competitivo. Estudos do Banco Central, da Febraban e do FMI provam claramente que o setor não atua como um cartel. São mais de 150 bancos, com mais de 60 mil pontos de atendimento em todo o Brasil, disputando o mesmo conjunto de clientes. Basta comparar com outros setores de abrangência nacional, como telefonia e supermercados, para ver que o setor bancário é concorrencial.
Fala-se do alto lucro dos bancos brasileiros, mas apenas dos sobreviventes, já que mais da metade dos bancos existentes uma década atrás fechou ou foi vendida. Deve-se comparar o lucro dos bancos com o de empresas de porte semelhante ou de bancos em outros países. A rentabilidade dos bancos brasileiros está na média da de outros setores do país e de outros bancos no mundo e é resultado de sua eficiência, não de sua voracidade.
A bem da verdade, a voracidade do governo é a grande responsável pelos elevados juros. Atualmente a dívida do governo corresponde a mais de 70% da poupança nacional. Se adicionarmos o crédito direcionado a programas do governo, esse número supera os 80%. Ou seja, menos de R$ 20 em cada R$ 100 poupados pela população podem ser direcionados ao crédito privado livre. É pouco. A tributação sobre o setor bancário ilustra a voracidade estatal; são vários tributos com alíquotas elevadas que emperram a intermediação de recursos.
O governo deveria parar de aplicar a determinação em aumentar sua arrecadação e em criar novas contingências, como o endividamento indireto através das estatais ou os contratos com as PPPs, e, em vez disso, ser criativo para baixar seus gastos e desasfixiar o setor produtivo. A poupança nacional é limitada. Quanto menos o governo tomar para si, mais haverá para o restante da sociedade brasileira.
Os juros caíram nos últimos meses e a taxa média cobrada pelos bancos caiu mais que a taxa básica do governo. Mas é pouco, muito pouco, pois têm que baixar além disso para o Brasil poder crescer mais. A Febraban fez sua parte: apresentou, há três anos, um plano de ação para baixar juros, propôs metas de "spread" bancário, sugeriu mudanças na tributação e participou de reuniões para diagnosticar as causas dos juros altos. Interessa ao setor bancário baixar o custo do dinheiro. Quanto menores forem as pressões de custo, maiores serão as baixas nos juros bancários e aumentará o volume de crédito disponível para o investimento e o consumo.
Apesar da premência em baixar os juros e dos discursos inflamados, a ação do governo foi na direção oposta. Não baixou o compulsório, o mais alto do mundo; elevou, ao invés de baixar, a tributação; aumentou, em vez de diminuir, o volume de créditos direcionados; e se endividou mais, nem sequer paga os juros de sua dívida colossal. É um quadro que deve ser revertido.
Não interessa apenas aos bancos, mas a toda a sociedade, baixar os custos bancários rapidamente. O tempo de ações diversionárias deve terminar e é hora começar as ações contundentes. O Brasil não merece esperar.


Roberto Luis Troster, 53, professor titular do Departamento de Economia da PUC-SP, autor de "Economia do Setor Público" (Saraiva), é o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Sim - Luiz Fernando de Paula: Abrindo a caixa-preta do"spread"

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.