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TENDÊNCIAS/DEBATES
As altas taxas de "spread" são responsabilidade dos bancos?
NÃO
Ação diversionária
ROBERTO LUIS TROSTER
É legítima e justa a reivindicação e
preocupação de todos os setores da
sociedade brasileira em baixar as altas
taxas de juros cobradas pelos bancos.
Pois é a barreira mais importante a ser
superada para o Brasil voltar a crescer
de forma sustentada.
É frequente ouvirmos discursos eloquentes contra os bancos, responsabilizando-os pelos juros altos que assolam
a economia brasileira. Atribui-se a eles
uma falta de transparência e concorrência, um desempenho ineficiente e uma
voracidade insaciável. Alguns porta-vozes desse discurso são pessoas ligadas
ao governo. Todavia trata-se de uma
ação diversionária. Os juros não caem
não é por falta de vontade dos bancos, e
sim pela ausência de ações contundentes do governo.
A primeira ação a ser adotada relaciona-se à falta de transparência quanto às
causas e aos custos dos juros bancários.
O cálculo do "spread" (diferença entre o
custo de captação do dinheiro e o que é
cobrado do tomador) só é feito para
uma parte do crédito -recursos livres-, e ignoram-se os créditos subsidiados e deficitários com que o setor
bancário tem de arcar. Atualmente,
40% do crédito é o chamado crédito direcionado -rural, habitacional etc. Feito com juros abaixo da taxa básica do
governo, esse valor sobe para mais da
metade do financiamento bancário se
incluídos os depósitos compulsórios.
Ou seja, faz-se o cálculo apenas sobre
uma parte, que dá lucro, e omite-se a
parte deficitária.
Há outras distorções que devem ser
consideradas. Sem uma ação incisiva de
transparência, não haverá um diagnóstico adequado e, consequentemente, o
problema persistirá.
A questão da concorrência bancária é
colocada de forma difusa no debate; não
há razões para não fazê-lo de forma direta, pois o setor bancário é competitivo. Estudos do Banco Central, da Febraban e do FMI provam claramente que o
setor não atua como um cartel. São mais
de 150 bancos, com mais de 60 mil pontos de atendimento em todo o Brasil,
disputando o mesmo conjunto de clientes. Basta comparar com outros setores
de abrangência nacional, como telefonia e supermercados, para ver que o setor bancário é concorrencial.
Fala-se do alto lucro dos bancos brasileiros, mas apenas dos sobreviventes, já
que mais da metade dos bancos existentes uma década atrás fechou ou foi vendida. Deve-se comparar o lucro dos
bancos com o de empresas de porte semelhante ou de bancos em outros países. A rentabilidade dos bancos brasileiros está na média da de outros setores
do país e de outros bancos no mundo e é
resultado de sua eficiência, não de sua
voracidade.
A bem da verdade, a voracidade do
governo é a grande responsável pelos
elevados juros. Atualmente a dívida do
governo corresponde a mais de 70% da
poupança nacional. Se adicionarmos o
crédito direcionado a programas do governo, esse número supera os 80%. Ou
seja, menos de R$ 20 em cada R$ 100
poupados pela população podem ser direcionados ao crédito privado livre. É
pouco. A tributação sobre o setor bancário ilustra a voracidade estatal; são vários tributos com alíquotas elevadas que
emperram a intermediação de recursos.
O governo deveria parar de aplicar a
determinação em aumentar sua arrecadação e em criar novas contingências,
como o endividamento indireto através
das estatais ou os contratos com as
PPPs, e, em vez disso, ser criativo para
baixar seus gastos e desasfixiar o setor
produtivo. A poupança nacional é limitada. Quanto menos o governo tomar
para si, mais haverá para o restante da
sociedade brasileira.
Os juros caíram nos últimos meses e a
taxa média cobrada pelos bancos caiu
mais que a taxa básica do governo. Mas
é pouco, muito pouco, pois têm que baixar além disso para o Brasil poder crescer mais. A Febraban fez sua parte:
apresentou, há três anos, um plano de
ação para baixar juros, propôs metas de
"spread" bancário, sugeriu mudanças
na tributação e participou de reuniões
para diagnosticar as causas dos juros altos. Interessa ao setor bancário baixar o
custo do dinheiro. Quanto menores forem as pressões de custo, maiores serão
as baixas nos juros bancários e aumentará o volume de crédito disponível para
o investimento e o consumo.
Apesar da premência em baixar os juros e dos discursos inflamados, a ação
do governo foi na direção oposta. Não
baixou o compulsório, o mais alto do
mundo; elevou, ao invés de baixar, a tributação; aumentou, em vez de diminuir, o volume de créditos direcionados; e se endividou mais, nem sequer
paga os juros de sua dívida colossal. É
um quadro que deve ser revertido.
Não interessa apenas aos bancos, mas
a toda a sociedade, baixar os custos bancários rapidamente. O tempo de ações
diversionárias deve terminar e é hora
começar as ações contundentes. O Brasil não merece esperar.
Roberto Luis Troster, 53, professor titular do Departamento de Economia da PUC-SP, autor de "Economia do Setor Público" (Saraiva), é o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).
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