|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
As altas taxas de "spread" são responsabilidade dos bancos?
SIM
Abrindo a caixa-preta do"spread"
LUIZ FERNANDO DE PAULA
A baixa relação entre volume de
crédito e PIB que tem sido observada no Brasil nos últimos anos é, em
boa medida, explicada pelos elevadíssimos "spreads" existentes no país, que
inibem uma maior demanda das firmas
e famílias por crédito.
Analisando a decomposição feita pelo
Banco Central do "spread" bancário
prefixado no Brasil, observa-se a seguinte composição em agosto de 2002:
participação de 40,1% da margem líquida do banco; 20,6% dos impostos diretos; 17% das despesas de inadimplência;
14,1% das despesas administrativas; e
7,9% dos impostos indiretos. De 2000
para 2002 não houve mudanças significativas na composição do "spread"
bancário no Brasil. Portanto fica claro
que a caixa-preta que explica o "spread"
é a elevada margem líquida dos bancos
na sua atividade de intermediação financeira.
A análise da determinação do
"spread" no Brasil pode ser dividida em
dois aspectos: fatores macroeconômicos (taxa de juros, inflação, crescimento
econômico etc.) e fatores microeconômicos (custos e receitas operacionais, liquidez dos bancos, alavancagem etc.).
Estudo econométrico realizado por economistas do Banco Central mostrou
que fatores macroeconômicos têm tido
papel determinante na explicação do
comportamento do "spread" bancário.
Vejamos como e por que os bancos têm
se aproveitado do contexto de instabilidade macroeconômica do país.
Sob condições de incerteza, os bancos
têm aguçado sua preferência por liquidez, adotando uma estratégia "defensiva" de alocação de portfólio: retração da
carteira de crédito, aplicação em títulos
públicos, maior "turnover" nas operações de empréstimo (com redução de
prazos) e elevação do "mark-up" bancário, o "spread".
Por outro lado, o aumento da participação dos títulos públicos na composição do ativo dos bancos (com predominância de títulos pós-fixados) permite
aos bancos -quando lhes convém-
fazer um hedge (seguro) contra a desvalorização cambial e a elevação da taxa de
juros. Aplicações em títulos públicos representam um piso para o rendimento
dos bancos, o que aumenta sobremaneira o custo de oportunidade para concessão de empréstimos por parte dos
bancos, que passam a cobrar um prêmio de risco elevadíssimo nas operações de empréstimo.
Ora, essa estratégia tem se revelado altamente rentável aos bancos, uma vez
que eles não enfrentam no Brasil o "trade-off" clássico liquidez versus rentabilidade: a composição do portfólio lhes
permite obter, ao mesmo tempo, liquidez e rentabilidade.
Em condições de uma economia semi-estagnada e com crédito retraído, a
estratégia "curto-prazista" dos bancos
só pode ser entendida considerando
dois fatores essenciais. Primeiro, o contexto macroinstitucional específico da
economia brasileira, em que os bancos
extraem vantagens das altas taxas de juros e das condições em que o governo
tem gerenciado uma dívida pública elevada e predominantemente indexada.
Segundo, a existência de um mercado
de concorrência oligopolista no Brasil,
resultado do crescimento recente do
"market share" dos maiores bancos no
mercado. Isso fica evidente quando se
observa a existência de uma clara relação inversa, nos últimos anos, entre volume de empréstimos e "spread" bancário no Brasil, o que resulta do fato de
que os bancos optam por ganhar mais
com uma margem maior, apesar do
menor volume de operações de crédito.
Outra evidência é a ocorrência de uma
certa inflexibilidade para baixo no
"spread", uma vez que o movimento
deste não tem acompanhado "pari passu" a diminuição recente na taxa básica
de juros do país.
Em outras palavras, somente a existência de uma estrutura oligopolizada
pode explicar por que os bancos compensam uma retração na oferta de crédito com uma elevação do "spread".
Luiz Fernando de Paula, doutor em economia pela Unicamp, é professor de economia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e co-autor de "Agenda Brasil: Políticas Econômicas para um Crescimento com Estabilidade de Preços" (Manole).
lfpaula@alternex.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Não - Roberto Luis Troster: Ação diversionária Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|