|
Próximo Texto | Índice
Inércia estatística
Indicadores como o IDH avançam no ritmo ditado por décadas, e não pelos governos; falta cuidar
do saneamento básico
A ESTATÍSTICA surgiu associada com os negócios de Estado, como
sugere sua raiz etimológica, no século 18. Foi no 20,
porém, que ela se tornou ferramenta indispensável para revelar tendências profundas da organização social, que não se perturbam com oscilações conjunturais. Tal é a razão de indicadores como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano): o que
importa é a série histórica, e não
o último dado.
Basta essa reflexão para desqualificar muito da festividade
em torno da notícia de que o Brasil entrou para o grupo dos países
com IDH alto, ao alcançar a marca de 0,800 em 2005 (o ponto
máximo da escala é 1). A nação
que mais se aproximou disso foi
a Islândia, com 0,968. Há outros
68 países entre Islândia e Brasil,
último entre os melhores (por
ter cravado a "nota de corte" do
primeiro pelotão). Sete deles são
da América Latina. O pior dos
piores, na 177ª posição, é Serra
Leoa, com um IDH de 0,336.
Outra razão para não comemorar o que não deve ser comemorado, no Brasil, está no avanço de
meros 11 milésimos em cinco
anos (em 2000, o escore nacional havia sido 0,789). Como mostrou o repórter Antônio Gois
nesta Folha, é o mais baixo progresso qüinqüenal do país (1,4%)
desde 1975, quando o IDH brasileiro andava em 0,649. De 1995 a
2000, a progressão fora de 4,8%.
Comparações ano a ano são injustificadas, diz o Programa da
ONU para o Desenvolvimento
(Pnud), autor do relatório do
IDH. Variações no índice ou mudanças de classificação nesse horizonte temporal podem resultar de modificações na metodologia, e não de fenômenos reais.
Foi o caso da alta na expectativa de vida no Brasil, que para o
IDH avançou de 70,8 a 71,7 anos.
Em verdade, houve uma revisão
de critérios entre 2004 e 2005. O
acréscimo real, diante disso, seria de apenas 0,2 ano -e não de
0,9-, indicando melhora mais
modesta na saúde.
Os componentes que mais ajudaram o Brasil no IDH foram o
PIB per capita pelo critério de
paridade de poder de compra
(que passou de US$ 8.195 a US$
8.402) e a taxa de matrícula no
ensino fundamental, médio e superior (de 85,7% a 87,5%). Nestes dois casos, a estatística mascara as questões principais.
O PIB per capita nada diz sobre a ainda péssima distribuição
de renda no país. A taxa de matrícula oculta o grave problema
da qualidade. Com algum otimismo, ao menos se pode dizer
que ambas as questões se tornaram objeto de políticas públicas
mais focalizadas, como os de
renda mínima e o PDE (Plano de
Desenvolvimento da Educação).
Pior é a situação do saneamento básico, crucial para a saúde
pública. Outro relatório, da Fundação Getúlio Vargas, indica que
a cobertura da rede de esgoto
progrediu mísero 1,59% ao ano
de 1992 a 2006. O governo Lula,
que tanta atenção dá a diminutas variações estatísticas, tem aí
uma boa oportunidade para realizar algo que, de fato, seria inédito na história deste país.
Próximo Texto: Editoriais: Sem retrocesso
Índice
|