São Paulo, quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

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FERNANDO RODRIGUES

Pensar e chutar

BRASÍLIA - Para justificar uma certa lentidão em seu governo, Lula declarou que é preciso "fazer as coisas com muita tranqüilidade" e "no tempo que têm de ser feitas".
No seu programa de rádio, usou mais uma metáfora futebolística: "Um jogador comum que está diante do goleiro chuta de qualquer jeito, e a bola vai para fora. Um jogador que é bom de bola pensa, não chuta com força. Ele coloca a bola".
Mais ou menos. Uma vez o jogador de futebol Falcão deu uma entrevista na Itália no início dos anos 80. Foi indagado sobre a sua rapidez no passe. Explicou de maneira simples, mais ou menos assim: "Mesmo quando estou sem bola durante uma partida, sempre fico pensando o que vou fazer com ela se me passarem. Assim, quando a bola chega, já estou preparado para passá-la adiante, chutar em gol, recuar, enfim, fazer o que for melhor para a equipe".
Se Falcão usasse a lógica de Lula, o país teria tido um craque a menos. Com os partidos é a mesma coisa. Quando estão na oposição, têm de ficar o tempo todo pensando o que fariam se estivessem no governo. Quando ganham uma eleição, precisam executar as suas idéias.
No caso do PT, as idéias que mais colocou em prática com rapidez foram as do modelo econômico ortodoxo -herança da administração anterior. Sobre as outras áreas do governo, o processo de formulação começou a ser tocado depois que Lula chegou ao Palácio do Planalto -como o jogador cabeça-de-bagre que primeiro precisa receber a bola para depois pensar o que fará com ela.
Não é de todo ruim o PT deixar de lado idéias antigas e desconectadas da realidade. Mas essa atitude não tem nada a ver com fazer as coisas certas no seu tempo. É só um partido fazendo autocrítica enquanto governa. Algumas áreas da administração federal emperram não porque os homens de Lula sejam craques, mas porque ainda estão pensando o que fazer com a bola que receberam há quase dois anos.

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