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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Chico e a nossa quimera
SÃO PAULO - Chico Buarque é filho
de um tempo em que o Brasil, no
ponto de inflexão entre a sociedade
rural e urbana, teceu uma utopia de
nação moderna da qual a cultura
-e não a política- é a testemunha
sobrevivente. Pois foi apenas no plano das representações -na música,
no cinema, na poesia, no design, no
teatro, nas artes plásticas- que esse
belo país imaginário se materializou.
O projeto moderno brasileiro, que
teve seus alicerces lançados por Getúlio Vargas e se desdobrou nas obras
do desenvolvimentismo e nas fantasias do nacional-popular, não se
completou na realidade social.
A idéia de que a grande cidade e a
industrialização absorveriam as
massas e dariam impulso a uma
transformação social criativa, cujas
energias movimentariam na periferia tropical uma sociedade vigorosa,
original, inteligente e menos injusta
revelou-se a grande quimera de nosso século 20.
A incompletude do projeto moderno apenas aprofundou-se nas últimas décadas, dando lugar àquilo que
o economista Edmar Bacha, lá pelos
anos 70, chamou de Belíndia: um pequeno país rico e integrado, como
uma espécie de Bélgica, convivendo
com uma enorme massa de despossuídos, como uma Índia.
Na entrevista que concedeu a Fernando de Barros, publicada no domingo, Chico Buarque manifesta um
mal-estar que não é apenas dele. A
convivência entre esses dois países
-e mesmo no interior de cada um
deles- tornou-se crítica. A sociabilidade amena e abrangente que animava o espírito do Brasil bossa nova
foi substituída por uma outra, tensa e
violenta, no país do rap, das periferias, dos morros, do bangue-bangue e
dos automóveis blindados que valem
um apartamento.
Chico mencionou a presença entre
nós de um "sentimento difuso quase
a favor do apartheid social". O "quase" da frase talvez seja o resto de esperança que ainda tenta se equilibrar
num fio que se estende sobre as ruínas daquele país sonhado.
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