São Paulo, quarta-feira, 30 de janeiro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Diversidade na universidade

PAULO RENATO SOUZA

A proposta de ações afirmativas para a população carente, incluindo negros e índios, é uma justa e inadiável reivindicação de todo brasileiro com um mínimo de consciência social. Há cerca de um ano, o Ministério da Educação vem trabalhando na elaboração de um projeto focalizado na facilitação e na promoção do acesso ao ensino superior de grupos em desvantagem social.
Por isso apresentei um projeto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a diversidade na universidade: "Acesso à Universidade de Grupos Socialmente Desfavorecidos -Ênfase em Negros e Indígenas". São US$ 9 milhões -US$ 5 milhões de empréstimos e US$ 4 milhões do Tesouro Nacional. A partir de março, o projeto sai do papel e começa a preparar estudantes para os próximos vestibulares, com o adiantamento de recursos de outro acordo que já temos com o BID.
Os dados educacionais observados na última década demonstram que as políticas universalistas, implementadas pelo MEC no atual governo, obtiveram ganhos significativos: melhoraram o nível de escolaridade da população brasileira como um todo e criaram, pela primeira vez na história do Brasil, uma educação de massa no ensino fundamental. Houve, ainda, um aumento significativo nas matrículas e no número de concluintes do ensino médio -nosso próximo passo é universalizá-lo-, o que criou uma maior demanda para o nível superior.
Políticas de universalização que alcançam os mais pobres resultam, também, na redução das desigualdades entre indivíduos de distintas origens raciais. Em 1992, apenas 79% das crianças negras estavam na escola, das crianças brancas, tínhamos 91% . Em 1999, a frequência na escola das crianças negras aumentou para 93%, reduzindo a distância em relação às crianças brancas (que passaram para 97%). O mesmo ocorreu com os estudantes declarados pardos, passando de 82% para 95%. Tal processo de inclusão trará, no médio e longo prazos, maior igualdade de oportunidades.
Mas a história do Brasil é uma história de exclusões. Os negros, ex-escravos e seus descendentes, foram a primeira grande massa de brasileiros excluídos. Ao negar educação a eles, nossas elites decidiram, naquele momento histórico, que a pobreza no Brasil também teria cor. Passados 114 anos da abolição da escravidão, o país só agora lida de frente com um problema sério: como inserir de forma efetiva negros, pardos e índios em nossa sociedade.
Hoje, há uma outra consciência na sociedade brasileira disposta a encarar com determinação o problema da exclusão social e a criar os meios para resolvê-los. E, de forma legítima, cobra isso dos governos. Por isso é importante que, concomitantemente às políticas universalistas, o governo desenvolva ações específicas que acelerem o acesso de grupos socialmente desfavorecidos, especialmente negros e indígenas, aos níveis mais elevados de ensino.


A educação é um meio privilegiado para a correção das desigualdades sociais e raciais


Em junho passado, o MEC recebeu uma missão do BID para trabalhar sobre um projeto voltado à implementação de estratégias para a promoção de acesso ao ensino superior de estudantes de grupos carentes. Rapidamente nos organizamos. O projeto se insere, segundo o BID, na categoria de inovador, sendo um projeto para ser executado no curto prazo e com verba direcionada para ações rápidas e pontuais.
A diretriz central é oferecer aos alunos pobres, negros e índios igualdade de oportunidades para o ingresso e a permanência no ensino superior. O mecanismo é o financiamento de cursos pré-vestibulares especializados no atendimento à população carente, tanto para estudantes do último ano do ensino médio quanto para aqueles que já o concluíram, mas não têm condições de pagar um cursinho. Isso implica sistematizar os diversos esforços existentes na sociedade para promover o acesso dos grupos em desvantagem social a níveis mais elevados de ensino.
ONGs e institutos de pesquisa serão convidados a participar de consórcios formados sob a coordenação do MEC. As instituições de ensino superior serão estimuladas a apoiar os cursos preparatórios para o vestibular destinados especificamente a alunos de escolas públicas, que incluem elevada proporção de afro-brasileiros. Apoiaremos programas semelhantes desenvolvidos por iniciativa do próprio movimento negro ou mesmo de outros movimentos sociais conscientes da necessidade de enfrentamento desse problema.
Parte dos recursos será investida na formação de professores de ensino médio; em mudanças da gestão do sistema educativo com vistas ao combate às desigualdades; em pesquisas de orientação a políticas de inclusão social; e em outros projetos que se mostrem inovadores e inclusivos. O projeto será também um valioso instrumento para direcionar nosso ensino médio para trabalhar com a inclusão social e o preconceito racial como princípios da política educacional. A elaboração de material didático específico permitirá enriquecer o conteúdo do ensino com o reconhecimento da riqueza da diversidade da sociedade brasileira.
Esse projeto servirá como piloto para estruturação de uma política nacional de facilitação do ingresso de negros, índios e excluídos nas nossas universidades. Quem sabe em pouco tempo poderemos instituir metas e cronogramas de forma a criar condições para que toda a população tenha acesso a mais altos níveis de educação? Certamente os próximos anos serão pródigos em respostas da sociedade à questão da desigualdade. Caminhamos para que o Brasil tenha um conjunto sistêmico e coerente de ações afirmativas não só na educação, mas também em outros setores.
Mais educada nossa sociedade certamente será. O ensino médio deve ser ainda mais aperfeiçoado, para que possamos avançar na democratização plena do acesso à educação e ao devido ingresso de grupos em desvantagem social no ensino superior, assim como, desde já, devemos oferecer subsídios que auxiliem na permanência do ensino superior. A experiência bem-sucedida do Programa de Financiamento Estudantil pode e deve servir de referência.
A educação é um meio privilegiado para a correção das desigualdades sociais e raciais. Merece, assim, uma ação específica para que sejam reduzidas anomalias entre os diversos grupos, ainda que ações universalistas estejam sendo realizadas de forma efetiva pelo Ministério da Educação.


Paulo Renato Souza, 55, economista, é ministro da Educação.



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