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OTAVIO FRIAS FILHO
Sopa no mel
Quando o governo Fernando
Henrique reclamava que, sem as
reformas previdenciária e fiscal, o Estado brasileiro continuaria quebrado
e a produção econômica manietada,
estava a serviço do pérfido neoliberalismo. Quando o governo Lula diz e
faz a mesma coisa, está dando os passos iniciais para mudar o modelo que
herdou e que não pode descartar da
noite para o dia.
Quando o governo anterior mantinha a taxa de juros nos níveis mais elevados do planeta, estava a serviço dos
bancos e da agiotagem internacional.
Quando o novo governo eleva ainda
mais os juros básicos da economia, está eliminando a desconfiança que restava nos mercados e dando provas de
condução responsável da economia.
Quando o antigo governo usava todo o poder da máquina para debelar
resistências no Congresso, estava praticando política fisiológica para se perpetuar no poder. Quando o governo
instalado faz a mesmíssima coisa, está
mostrando competência e habilidade
políticas. Por maiores que sejam a credulidade popular e a hipnose publicitária, tudo tem limites: cedo ou tarde a
máscara cai.
Quantas eleições mais serão necessárias até ficar claro que compromissos de campanha são promessas ao
léu? Quando será matizado -já que
erradicar parece impossível- esse sebastianismo nacional que, de tempos
em tempos (Tancredo, Collor, Lula),
gera a alucinação coletiva de mudar
"tudo o que está aí"? Ilusão nada inofensiva, pois logo se converte em frustração raivosa e busca do próximo salvador.
No caso presente, o entusiasmo acrítico tem raízes robustas. Tendo chegado pela primeira vez ao poder, depois
de tantas perseguições e ostracismos,
a esquerda reluta em abandonar suas
fantasias. Precisa acreditar no caráter
"progressista", "transformador" do
novo governo. Os atrativos do poder e
a longa prática do "duplipensar" (tal
como Orwell chamou o raciocínio dos
primeiros parágrafos acima) ajudam.
A direita, por sua vez, tem toda razão
para estar sem medo de ser feliz. O resultado das urnas saiu melhor do que
a encomenda: em vez de um presidente autocrata e problemático, cheio de
idéias próprias, sobreveio um governo
que mantém as linhas de força do malanismo no essencial, dando-lhe porém nova legitimidade, novo fôlego,
novas aparências e símbolos.
Não há surpresa no apoio da mídia
televisiva, que é o que conta em termos de massas, ao governo do PT. Por
sua natureza como veículo, a televisão
apóia qualquer governo, sobretudo se
for popular, mais ainda se não agride
o andamento dos negócios. A maioria
dos profissionais que atua nos "aparelhos ideológicos do Estado" tem extração petista: sopa no mel do consenso.
A latitude decisória dos governos,
sempre restrita, é mais exígua do que
nunca. A transição continua e deverá
prosseguir por vários anos. Se isso é
bom ou ruim, depende de juízo de valor de cada um. Mas quando surgir a
palavra de ordem "Fora Lula", democraticamente empregada contra FHC,
não tenha dúvida: é golpe!
Otavio Frias Filho escreve nesta coluna às quintas-feiras.
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