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O governo vai conseguir manter a inflação sob controle?
SIM
Histeria oportunista e realidade
GESNER OLIVEIRA
As projeções catastrofistas em relação
a uma inevitável volta da inflação com
a mudança do regime cambial carecem
de fundamentos teóricos e empíricos.
É natural que a alteração de um dos
macropreços mais importantes, a taxa
de câmbio, gere ruído no conjunto da
economia. Bens e serviços comerciáveis (por exemplo, commodities) tendem a ficar mais caros em relação
àqueles não-comerciáveis (como serviços). Nos livros, tais ajustes costumam
ser automáticos. Na vida prática, a acomodação é marcada por oscilações e
incertezas.
A própria estabilização da taxa de
câmbio no seu novo nível de equilíbrio
costuma ser precedida de variações significativas, superiores àquelas que terminam por prevalecer no médio prazo.
Daí não resulta a volta da inflação
crônica que flagelou o país por meio
século até o Plano Real.
Experiências recentes demonstram
que depreciações significativas da moeda nacional não vêm necessariamente
acompanhadas de inflação na mesma
proporção. Na Coréia, o coeficiente de
transmissão da mudança do câmbio à
inflação foi relativamente baixo, em
torno de 17%. Transplantado para o
Brasil e supondo um novo câmbio de
equilíbrio 30% superior à média de
1994-1998, ter-se-ia uma inflação em
torno de 5%, inferior à média anual de
crescimento dos preços em todas as décadas desde os anos 40.
As condições brasileiras atuais afastam os cenários inflacionários mais
pessimistas por quatro razões principais. Em primeiro lugar, não há pressão de demanda capaz de sustentar reajustes excessivos de preços. O possível e
desejável reaquecimento gradual via
exportações não alteraria esse quadro
ao reduzir os custos fixos unitários das
empresas. É hora, portanto, de endurecer na negociação com os fornecedores; a era dos dos repasses automáticos
de custos acabou.
Isso porque, e em segundo lugar, o
Brasil está estruturalmente mais aberto. Apesar da eliminação dos excessos
da liberalização comercial, da necessária implementação da defesa comercial
e do encarecimento dos importados
com o novo câmbio, os produtos estrangeiros continuarão a exercer pressão competitiva.
Diferentemente dos anos 80, quando
a espiral de preços voltou após dez meses de Plano Cruzado, o consumidor
experimentou uma cesta diversificada,
o produtor já tem o nome, fax e endereço eletrônico do fornecedor estrangeiro e existe rede doméstica de distribuição dos importados.
Em terceiro, a conjuntura econômica
mundial reforça a pressão concorrencial ao não apresentar alta generalizada
de preços, como foi o caso dos choques
do petróleo nos anos 70 e 80. Por fim, a
desindexação dos últimos quatro anos
impede uma magnificação dos efeitos
da mudança cambial.
Tais considerações não subestimam
os formidáveis desafios à frente, especialmente no tocante à prioridade do
ajuste das contas públicas em todas as
esferas de governo. Mas certamente desautorizam projeções infundadas de
uma explosão inflacionária.
Diferentemente do passado, o Brasil
dispõe hoje de instrumentos microeconômicos adequados que constituem
complementos indispensáveis à austeridade macroeconômica na promoção
da livre concorrência nos mercados. Isso é particularmente importante na
atualidade, pois o quadro de incerteza
alimenta o oportunismo de alguns
agentes que dele se aproveitam para
combinar preços com concorrentes em
detrimento do consumidor e da sociedade.
Em contraste com o antigo CIP e os
sucessivos fracassos no controle de
preços do passado, a Lei Antitruste (lei
8.884), editada algumas semanas antes
do Plano Real, oferece ao Cade e aos
demais órgãos de defesa da concorrência os dispositivos legais para punir os
abusos do poder econômico.
Isso vem sendo feito com transparência, firmeza, celeridade e estrita observância do devido processo legal. Sem
nutrir a ilusão de que os problemas
macroeconômicos serão resolvidos
instantânea ou exclusivamente mediante o combate aos cartéis. Mas na
certeza de que a defesa intransigente da
livre concorrência é peça essencial das
políticas públicas necessárias à retomada do crescimento com estabilidade.
Gesner Oliveira, 42, doutor em economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), é presidente do
Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica),
autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, e professor-adjunto da FGV-SP. Foi secretário-adjunto de Política Econômica (governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso).
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