|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O governo vai conseguir manter a inflação sob controle?
NÃO
Desemprego e arrocho salarial
MARCIO POCHMANN
Não parece existir dúvida a respeito
do repique inflacionário a ser provocado pelo atual curso da maxidesvalorização sem controle do real. É trivial dizer que todo choque de grandes proporções implica mudança dos preços
relativos e, por consequência, a reação
encadeada dos agentes econômicos na
tentativa de resguardar suas participações relativas na renda nacional.
Por conta disso, a indexação manifesta-se rapidamente, ainda que a sua extensão possa ser disforme e parcial. De
imediato, surge um grande dilema. O
possível salto na taxa de inflação no
Brasil representará "apenas" a conformação de um novo patamar mais alto da carestia ou a subida progressiva
dos preços conduzida pela inércia inflacionária.
Das estimativas preliminares existentes, pode-se depreender que a nova taxa anual de inflação corre o sério risco
de se situar numa faixa acima de um
dígito. Isso, por si só, não seria pouca
coisa, em se tratando, sobretudo, de
uma economia relativamente aberta ao
exterior, sem os tradicionais mecanismos de indexação e diante do cenário
recessivo.
Para que o repique inflacionário represente tão-somente um novo patamar mais alto do custo de vida, sem a
contaminação em cascata de todo o
processo de formação de preços da
economia, torna-se absolutamente
fundamental que o processo distributivo não apresente apenas vencedores,
mas, principalmente, perdedores em
definitivo, que aceitem a realidade proveniente de uma menor participação
na renda nacional.
Em geral, percebe-se que o setor exportador aparece como privilegiado
pela nova situação cambial, ao mesmo
tempo que as commodities, com preços cotados em dólar no mercado internacional, e as empresas oligopolistas, com condições mais favoráveis para proteger suas margens de lucro, tendem a repassar para preços finais os
possíveis impactos de custo. O que significa, em parte, a retroalimentação da
cadeia inflacionária.
Mas onde a corrente da alta de preços
poderia ser interrompida? Certamente
nos seus elos mais débeis, como os setores produtivos vinculados ao mercado interno, especialmente as pequenas
e microempresas, que poderão ter suas
margens de lucro esmagadas pela escassez de consumidores ou ainda pela
inadimplência dos mesmos. Como se
sabe, o segmento voltado para o mercado interno possui dificuldades adicionais para repassar imediata e generalizadamente para preços qualquer
aumento de custos num cenário recessivo, combinado a altas taxas de juros e
à abertura comercial.
Da mesma forma o mundo do trabalho, que, por ser detentor de renda fixa,
deverá amargar a maior parte do ônus
inflacionário, diante da queda do salário real, que decorre do novo patamar
da carestia no Brasil, e da elevação do
desemprego, que resulta da recessão.
Em outras palavras, o elo fraco da corrente distributiva, representado por
empregados assalariados, funcionários
públicos, trabalhadores autônomos,
aposentados e pensionistas, encontra-se praticamente excluído das possibilidades de utilização dos mecanismos
tradicionais de indexação, como forma
de procurar garantir sua anterior participação no bolo da renda nacional.
Sem a plena e imediata correção dos
salários, a inflação terminará atuando
como um novo imposto, responsável
pela redução da massa nacional de rendimentos do trabalho estimada em 5%
(cerca de R$ 15 bilhões a menos no poder aquisitivo dos trabalhadores). Em
síntese, o rendimento do trabalho, que
significava 38% da renda nacional em
1996, poderá representar, em 1999,
apenas 35%, o que torna ainda mais
perverso o atual processo de distribuição funcional da renda no Brasil.
Nesse quadro, a estratégia governamental de combate à elevação do custo
de vida parece bastante clara. Mais uma
vez, a tentativa de controle da inflação
tende a recair sobre os ombros dos trabalhadores, na forma de arrocho salarial e de maior desemprego.
Somente uma negociação nacional
com os macropreços nacionais (preços
privados, tributos, juros, câmbio e salários) apresenta-se como alternativa à
política do silêncio de cemitério que a
desindexação e a recessão impõem aos
elos mais fracos da corrente distributiva. Mas será que há vontade política suficiente para a implementação de uma
política de rendas concertada? Ou se
deve acreditar que a capacidade do governo em controlar a inflação reside
apenas e tão-somente no desmantelamento do bem-estar social da maior
parte da população brasileira?
Marcio Pochmann, 36, economista, é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos
Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
E-mail: pochmann@eco.unicamp.br.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|