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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Três vezes acorrentado
A pseudo-ortodoxia que se
convencionou chamar de neoliberalismo -o projeto de dar tudo pela confiança financeira na política macroeconômica, de insistir em reformas microeconômicas que nos façam
mais parecidos com os países ricos e
de aliviar a pobreza por meio de medidas compensatórias dirigidas só a pobres- malogrou espetacularmente
na região do mundo onde mais se
aplicou. A América Latina virou campo de devastação. Por que então lhe
tem sido tão difícil mudar de rumo? É
por conta do efeito combinado de três
constrangimentos. Para não repetir
no futuro o desastre que se abate sobre
o governo do PT, temos de compreendê-los e de enfrentá-los.
O primeiro constrangimento é a disciplina do capital. Trata-se de equivalente funcional ao padrão-ouro do século 19: faz com que o nível de atividade dependa do nível de confiança. Baixa poupança privada e pública; vínculo tênue entre poupança e produção;
endividamento produzido por farra
fiscal e agravado por extorsão financeira; liberação para as idas e vindas
do dinheiro -tudo converge para
tornar governos nacionais reféns dos
rentistas e dos bancos. Em vez de ser
vista como problema, essa dependência passa a ser encarada como solução,
porque impede os governos de embarcar em supostas aventuras populistas. O resultado é subordinar os interesses da economia real às exigências do capital financeiro. A maneira
de romper esse constrangimento é
exigir poupança compulsória progressivamente proporcional à renda
de cada indivíduo, multiplicar meios
de mobilizar poupança de longo prazo para investimento de longo prazo,
promover renegociação ordenada da
dívida pública e impor os controles
cambiais que forem necessários para
resguardar nossas reservas.
O segundo constrangimento é a
confederação de privilégios que deixa
o Estado à mercê de interesses privados e nega ao país o instrumento de
transformação de que precisa. Só institucionalização de democracia de alta
energia quebra esse constrangimento.
Isso começa em enfraquecimento da
influência eleitoral do dinheiro privado, em fortalecimento dos partidos
políticos, em desfazimento dos oligopólios de mídia e em responsabilização dos governantes por organizações
da sociedade civil, atuando em conjunto com procuradores e juízes.
O terceiro constrangimento -e o
mais forte- são as ilusões da época.
Nossa intelectualidade sintetizou, numa contemplação fatalista da "correlação de forças" no país e no mundo, o
que sobrou do marxismo com o que
aproveitou das ciências sociais americanas. Com isso, deu prestígio -já
que não pôde dar clarividência- ao
conformismo dos quadros dirigentes.
O espírito que preside é o de Vichy: o
fatalismo teórico justifica as atitudes
neocoloniais que alimentam o ideário
dominante em nossa vida pública. Supera-se esse constrangimento travando guerra dentro de cada ciência social e de cada profissão para ampliar a
imaginação do possível, aprofundando o entendimento da realidade.
Da maneira de superar esses constrangimentos depende o futuro do
Brasil. Somente força -intelectual,
moral e política- que os combata como três expresses do mesmo mal terá
como lutar pelo poder em nome do
grande projeto de democratização de
oportunidades e de capacitação de
energias que é hoje o sonho e a tarefa
da nação.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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