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CARLOS HEITOR CONY
O homem e a pompa
RIO DE JANEIRO - Parece um animal em extinção, mas ainda existem alguns, muitos até, espalhados nas academias, universidades, câmaras, tribunais e até mesmo na mídia, que
geralmente procura ser mais pedestre. Conheci espécimes raros dessa
fauna, homens pomposos e brilhantes, mas ligeiramente defasados da
vida real que levamos todos. Um deles, famoso jurista, ao fazer um discurso ou mesmo num bate-papo informal, destacava os parágrafos visualmente, a primeira letra da primeira palavra parecia sair de sua boca como uma maiúscula.
Outro era historiador, escondia as
frases como se tivesse um cinzel a lascar imensos blocos de mármore Carrara, esculpindo Moisés e Pietás no ar
que saía de sua formidável boca.
Mas nada se compara a um ex-senador que teve seus dias de glória na
Velha República e, com a Revolução
de 30, retirou-se da vida pública e começou a escrever um ensaio sobre as
invasões holandesas. Tanto estudou,
tanto pesquisou, tanto escreveu que
descurou de sua mulher, ainda jovem, que, não tendo nada contra
nem a favor das invasões holandesas,
procurou distração mais consistente,
tornando-se amante de um húngaro
que vendia páprica falsificada e ganhava bom dinheiro.
Uma carta anônima alertou o ex-senador, que contratou um detetive e
foi surpreender a adúltera num dos
primitivos hotéis de alta rotatividade
ao longo da Barra da Tijuca.
Armado o flagrante, já com a participação de testemunhas para o processo de adultério, o ex-senador penetrou na alcova onde os amantes foram surpreendidos na óbvia função
que se exerce quando um homem nu
deita na cama com uma mulher
igualmente nua.
Durante anos, durante séculos, a
cena terminaria com o pomposo corno dando um tiro na infiel, ou no
amante dela, em casos mais extremos, nos dois pecadores. Mas o homem, entre o tiro e a pompa, preferiu
ficar com a pompa. Com solenidade,
dedo em riste, limitou-se a recriminá-la, pronunciando pausadamente
o anátema definitivo:
- Atrevida barregã!
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