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São Paulo, quarta-feira, 30 de abril de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Baticum cambial

Quem foi e quem é ministro da Fazenda (e quem provavelmente um dia vai sê-lo) sabe (ou deveria saber) que não há nada mais desgastante para o governo do que discutir publicamente o nível da taxa cambial. Primeiro, porque existe a lei de "Sauer": a taxa cambial de equilíbrio é sempre superior em 30% à vigente. Segundo, porque existe a lei do célebre economista Socnab: só é saudável uma combinação de câmbio e juros que permita uma boa arbitragem sem risco. E terceiro, porque quem pensa que sabe muito sobre a taxa de câmbio é, em geral, apenas mal informado...
O Brasil instituiu, corretamente em nossa opinião, um sistema de câmbio flutuante, o único compatível com a liberdade de movimento de capitais e com uma relativa independência da política monetária. Ao mesmo tempo, aderiu ao sistema de metas inflacionárias explícitas, que, todos sabem, tem dificuldades em lidar com grandes choques de oferta e com taxas de câmbio muito voláteis, consequência de uma pequena abertura comercial (exportações menores do que 25% do PIB) combinada com uma grande dívida externa.
No sistema de metas inflacionárias, constrói-se uma ligação estreita entre a taxa de câmbio nominal e a taxa de juro nominal, porque uma elevação da taxa de câmbio nominal produzida ou por efeitos reais -queda das exportações ou aumento das importações-, ou por efeitos psicológicos -o adversário do governo vai vencer as eleições-, ou ainda por efeitos externos -crise de liquidez, fuga para a qualidade ou aversão ao risco-, produz efeitos inflacionários que têm de ser combatidos reduzindo o aumento dos preços dos produtos menos afetados pela taxa de câmbio, o que se faz elevando a taxa de juro real. Ao contrário do que alguns pensam, o aumento do juro real no sistema de metas inflacionárias é uma consequência do aumento da taxa de câmbio nominal. Isso mostra que, quando as condições objetivas são adversas (pequena abertura comercial, grande endividamento, frequentes choques de oferta), a combinação da livre flutuação cambial (devida aos movimentos de arbitragem) com o sistema de metas inflacionárias impõe consequências sobre a economia real. É por isso que não existe, de fato, o "câmbio livre", mas a "flutuação suja", através da qual o Banco Central, por ordem e conta do Tesouro Nacional, manipula (por múltiplos mecanismos) oferta e procura de dólares para tentar reduzir as flutuações da taxa de câmbio. Esses movimentos têm de ser comedidos, inteligentes e muito discretos para que o "mercado" não saiba (de "saber sabido") o intervalo dentro do qual se quer deixar "flutuar" o câmbio.
O grande volume de arbitragem dos últimos meses, feito na base do aumento da posição vendida dos bancos, cria um grande risco por sua instabilidade. E mostra, por outro lado, que a taxa de juro real no Brasil, como consequência das metas inflacionárias, está acima da estabelecida pela "paridade coberta". Estamos "surfando" uma onda perigosa, porque ela é a do capital da "morte súbita". Criou-se, entretanto, uma grande oportunidade para "fechar" a arbitragem através de uma redução significativa dos juros tão logo (por efeito do próprio câmbio) se acelere a queda da taxa de inflação...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br


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