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ANTONIO DELFIM NETTO
Baticum cambial
Quem foi e quem é ministro da
Fazenda (e quem provavelmente
um dia vai sê-lo) sabe (ou deveria saber) que não há nada mais desgastante para o governo do que discutir publicamente o nível da taxa cambial.
Primeiro, porque existe a lei de
"Sauer": a taxa cambial de equilíbrio é
sempre superior em 30% à vigente.
Segundo, porque existe a lei do célebre
economista Socnab: só é saudável
uma combinação de câmbio e juros
que permita uma boa arbitragem sem
risco. E terceiro, porque quem pensa
que sabe muito sobre a taxa de câmbio
é, em geral, apenas mal informado...
O Brasil instituiu, corretamente em
nossa opinião, um sistema de câmbio
flutuante, o único compatível com a liberdade de movimento de capitais e
com uma relativa independência da
política monetária. Ao mesmo tempo,
aderiu ao sistema de metas inflacionárias explícitas, que, todos sabem, tem
dificuldades em lidar com grandes
choques de oferta e com taxas de câmbio muito voláteis, consequência de
uma pequena abertura comercial (exportações menores do que 25% do
PIB) combinada com uma grande dívida externa.
No sistema de metas inflacionárias,
constrói-se uma ligação estreita entre
a taxa de câmbio nominal e a taxa de
juro nominal, porque uma elevação
da taxa de câmbio nominal produzida
ou por efeitos reais -queda das exportações ou aumento das importações-, ou por efeitos psicológicos
-o adversário do governo vai vencer
as eleições-, ou ainda por efeitos externos -crise de liquidez, fuga para a
qualidade ou aversão ao risco-, produz efeitos inflacionários que têm de
ser combatidos reduzindo o aumento
dos preços dos produtos menos afetados pela taxa de câmbio, o que se faz
elevando a taxa de juro real. Ao contrário do que alguns pensam, o aumento do juro real no sistema de metas inflacionárias é uma consequência
do aumento da taxa de câmbio nominal. Isso mostra que, quando as condições objetivas são adversas (pequena
abertura comercial, grande endividamento, frequentes choques de oferta),
a combinação da livre flutuação cambial (devida aos movimentos de arbitragem) com o sistema de metas inflacionárias impõe consequências sobre
a economia real. É por isso que não
existe, de fato, o "câmbio livre", mas a
"flutuação suja", através da qual o
Banco Central, por ordem e conta do
Tesouro Nacional, manipula (por
múltiplos mecanismos) oferta e procura de dólares para tentar reduzir as
flutuações da taxa de câmbio. Esses
movimentos têm de ser comedidos,
inteligentes e muito discretos para que
o "mercado" não saiba (de "saber sabido") o intervalo dentro do qual se
quer deixar "flutuar" o câmbio.
O grande volume de arbitragem dos
últimos meses, feito na base do aumento da posição vendida dos bancos, cria um grande risco por sua instabilidade. E mostra, por outro lado,
que a taxa de juro real no Brasil, como
consequência das metas inflacionárias, está acima da estabelecida pela
"paridade coberta". Estamos "surfando" uma onda perigosa, porque ela é a
do capital da "morte súbita". Criou-se,
entretanto, uma grande oportunidade
para "fechar" a arbitragem através de
uma redução significativa dos juros
tão logo (por efeito do próprio câmbio) se acelere a queda da taxa de inflação...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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