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TENDÊNCIAS/DEBATES
Dentro de casa e dentro da lei
ÂMBAR DE BARROS, ARMAND PEREIRA e HELIO MATTAR
O combate ao trabalho infantil
tem sido, há alguns anos, uma
bandeira no país. Segundo dados da
PNAD 2001, desde o princípio da década de 90, quando se deram as primeiras
investidas pela sua erradicação, até
2001, quase 3 milhões de crianças foram
retiradas das mais diversas atividades,
contabilizando-se importantes vitórias
entre setores de risco, como a produção
de calçados, carvão e fumo e as lavouras
de cana-de-açúcar e laranja.
O trabalho infantil doméstico é um
capítulo à parte. Ele não é tão visível como o dos pequenos carvoeiros nem tão
insalubre como o dos meninos colhedores de fumo, mas é também nocivo.
O quadro de pobreza e exclusão social
do país contribui para que mais de 3 milhões de crianças e adolescentes abaixo
da idade legal permitida estejam trabalhando e quase 500 mil meninas e adolescentes estejam no trabalho doméstico. Pesquisas revelam que 96% do trabalho infantil doméstico no Brasil é feito por meninas e adolescentes, sendo
que 44% são meninas de 12 a 15 anos, e
quase um terço começou a trabalhar entre os cinco e os 11 anos de idade.
As meninas domésticas não estão nas
fábricas e nas lavouras. Estão invisíveis,
dentro das casas. E quase todo mundo
considera isso normal. Até a maioria
dos seus pais acredita que é justo que
trabalhem. Para mudar essa mentalidade, a Fundação Abrinq, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a
Andi (Agência de Notícias dos Direitos
da Infância) estão lançando uma campanha na mídia com o mote "Trabalho
infantil doméstico: não leve essa idéia
pra dentro da sua casa".
Realizada voluntariamente pela
McCann-Erickson, a campanha mostra
como o trabalho infantil doméstico fere
os direitos garantidos pela Constituição
brasileira e pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente e empobrece, envelhece
e embrutece as crianças.
Esse certamente não é o ponto de vista
de quem emprega, acreditando, de boa-fé ou por conveniência, que está ajudando uma família pobre. Mas os estragos
são inquestionáveis. Embora 96% das
meninas trabalhadoras domésticas saibam ler e escrever e 74% estejam estudando, quanto maior o tempo no trabalho, maior é o índice de atraso escolar.
Existem cerca de 3.000 meninas de
cinco a nove anos que trabalham até 21
horas por semana, numa jornada que
aumenta com a idade: meninas de dez a
14 anos chegam a trabalhar 36 horas semanais, e aos 15 trabalham mais do que
as domésticas adultas! Os estudos mostram que 36% das meninas envolvidas
com trabalho doméstico no país afirmam ter sofrido algum acidente de trabalho ou apresentam algum sintoma relacionado a ele. Queimaduras, cortes
com facas e acidentes com produtos
químicos estão entre os mais comuns.
O trabalho não pode ser mais importante do que o estudo. Criança deve ser prioridade absoluta, sempre
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Depoimentos de meninas trabalhadoras registram abusos e violações de direitos por parte das famílias que as empregam, que vão de agressões verbais e
físicas até assédio sexual. As meninas
constróem uma imagem distorcida de
si mesmas, de alguém com pouco valor
e poucos direitos. A separação precoce
de seu ambiente social impede que
construam sua identidade e tenham
seus vínculos afetivos fortalecidos, junto a sua família e amigos. O ambiente
doméstico nem sequer permite à trabalhadora uma condição de aprendizagem. Por isso, o trabalho doméstico não
se enquadra na Lei de Aprendizagem,
sendo permitido só a partir dos 16 anos.
Nesse caso, muitos esquecem que,
além das garantias de um adulto, as trabalhadoras adolescentes devem ter as
previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente e nas Convenções 138 e 182
da OIT: registro em carteira, repouso remunerado, férias, tempo de trabalho
compatível com o de estudo, convivência familiar e recreação asseguradas, o
direito de não realizar atividades proibidas na lista das piores formas de trabalho infantil, o direito de não realizar trabalho noturno e, sobretudo, de serem
cuidadas e protegidas no trabalho.
Ao serem transformados em força de
trabalho, crianças e adolescentes deixam de ser tratados como pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento.
O trabalho infantil não é compatível
com a infância, pois fere os seus principais direitos. E o trabalho infantil doméstico frequentemente fere todos os
direitos: à vida e à saúde; à liberdade, ao
respeito e à dignidade; à convivência familiar e comunitária; à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; à profissionalização e à proteção no trabalho -além
de expor as meninas a situações de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
A realidade não pode se contrapor às
leis. Superar a pobreza não pode vir antes do desenvolvimento sadio das crianças. O trabalho não pode ser mais importante do que o estudo. Criança deve
ser prioridade absoluta, sempre.
Âmbar de Barros, 43, é presidente da Andi.
Armand Pereira, 51, é representante da OIT no
Brasil.
Helio Mattar, 56, é diretor-presidente da
Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do
Adolescente e do Instituto Akatu pelo Consumo
Consciente.
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