São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2004

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ECONOMIA NO DIVÃ

Num diagnóstico inusitado, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, afirmou anteontem que, em grande parte, o "baixo astral" do empresariado brasileiro "tem um fundo psicológico". O ministro teve a sensatez de reconhecer que não é um especialista nos meandros da mente humana, o que não o isenta de críticas no que tange à avaliação do quadro econômico. Pois seu parecer sobre a hipotética depressão psicológica das classes empresariais foi baseado na suposição de que os dados da realidade são positivos e, portanto, deveriam incentivar uma atitude mais otimista.
Embora o ministro Furlan tenha razão quanto à presença de uma dimensão "psicológica" nos processos econômicos, é difícil identificar no relativo desânimo do empresariado brasileiro um estado mental divorciado da realidade. Por mais que se possam apontar fatores favoráveis na atual conjuntura -e eles são de fato visíveis no "front" das exportações, ao qual o ministro está vinculado-, há indicadores suficientes para fazer com que o empresariado se sinta cercado de incertezas.
Basta olhar para os últimos anos, e o panorama que se divisa não é nada entusiasmante: persiste uma dinâmica de crescimento baixo e descontínuo, instabilidade cambial, juros muito elevados e sistemática perda de poder aquisitivo do mercado interno. O alto endividamento público aprisiona o país a uma lógica financista, deixando-o refém de movimentos especulativos e turbulências no cenário externo.
Pela enésima vez, por ocasião da eleição e posse do novo governo, a economia brasileira foi vítima de uma crise de confiança, com disparada do dólar e da inflação. Também pela enésima vez, para evitar o pior, o Banco Central moveu os juros a níveis altíssimos, provocando recessão, aumento do desemprego e mais queda na renda. Iniciada a homeopática política de corte dos juros, quando os empresários, na virada do ano, começavam a apostar que uma recuperação mais vigorosa se avizinhava, eis que a autoridade monetária decide alterar as expectativas, suspendendo em janeiro e fevereiro as reduções da taxa básica.
Mais grave ainda: de muito pouco têm adiantado na prática esses cortes na Selic, ao se observarem os juros e "spreads" efetivamente cobrados no crédito a empresas e pessoas físicas.
É nesse contexto em que nos encontramos, e com uma agravante em relação aos meses precedentes: são fortes os indícios de que a economia mundial passará por um processo de reacomodação, com a previsível elevação dos juros nos EUA e a possível contenção do impressionante ritmo de crescimento da China.
Se não há, a princípio, razão para projeções catastrofistas, não resta dúvida de que o cenário global tende a se tornar menos favorável. A depender da intensidade das mudanças, o Brasil estará sob risco de, mais uma vez, perder uma oportunidade para crescer.
Sendo assim, é natural que sondagens realizadas com empresários detectem não exatamente um "baixo astral", como viu o ministro, mas uma atitude simplesmente cautelosa, algo que parece bastante saudável e compatível com a realidade.



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