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ECONOMIA NO DIVÃ
Num diagnóstico inusitado,
o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, afirmou
anteontem que, em grande parte, o
"baixo astral" do empresariado brasileiro "tem um fundo psicológico".
O ministro teve a sensatez de reconhecer que não é um especialista nos
meandros da mente humana, o que
não o isenta de críticas no que tange
à avaliação do quadro econômico.
Pois seu parecer sobre a hipotética
depressão psicológica das classes
empresariais foi baseado na suposição de que os dados da realidade são
positivos e, portanto, deveriam incentivar uma atitude mais otimista.
Embora o ministro Furlan tenha
razão quanto à presença de uma dimensão "psicológica" nos processos
econômicos, é difícil identificar no
relativo desânimo do empresariado
brasileiro um estado mental divorciado da realidade. Por mais que se
possam apontar fatores favoráveis na
atual conjuntura -e eles são de fato
visíveis no "front" das exportações,
ao qual o ministro está vinculado-,
há indicadores suficientes para fazer
com que o empresariado se sinta cercado de incertezas.
Basta olhar para os últimos anos, e
o panorama que se divisa não é nada
entusiasmante: persiste uma dinâmica de crescimento baixo e descontínuo, instabilidade cambial, juros
muito elevados e sistemática perda
de poder aquisitivo do mercado interno. O alto endividamento público
aprisiona o país a uma lógica financista, deixando-o refém de movimentos especulativos e turbulências
no cenário externo.
Pela enésima vez, por ocasião da
eleição e posse do novo governo, a
economia brasileira foi vítima de
uma crise de confiança, com disparada do dólar e da inflação. Também
pela enésima vez, para evitar o pior, o
Banco Central moveu os juros a níveis altíssimos, provocando recessão, aumento do desemprego e mais
queda na renda. Iniciada a homeopática política de corte dos juros, quando os empresários, na virada do ano,
começavam a apostar que uma recuperação mais vigorosa se avizinhava,
eis que a autoridade monetária decide alterar as expectativas, suspendendo em janeiro e fevereiro as reduções da taxa básica.
Mais grave ainda: de muito pouco
têm adiantado na prática esses cortes
na Selic, ao se observarem os juros e
"spreads" efetivamente cobrados no
crédito a empresas e pessoas físicas.
É nesse contexto em que nos encontramos, e com uma agravante em
relação aos meses precedentes: são
fortes os indícios de que a economia
mundial passará por um processo de
reacomodação, com a previsível elevação dos juros nos EUA e a possível
contenção do impressionante ritmo
de crescimento da China.
Se não há, a princípio, razão para
projeções catastrofistas, não resta
dúvida de que o cenário global tende
a se tornar menos favorável. A depender da intensidade das mudanças, o Brasil estará sob risco de, mais
uma vez, perder uma oportunidade
para crescer.
Sendo assim, é natural que sondagens realizadas com empresários detectem não exatamente um "baixo
astral", como viu o ministro, mas
uma atitude simplesmente cautelosa, algo que parece bastante saudável
e compatível com a realidade.
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