São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2004

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HORROR E CRÍTICA

"Nós não torturamos pessoas na América", disse o presidente George W. Bush numa entrevista à TV australiana em 18 de outubro de 2003. Se o presidente norte-americano pode assegurar que esse é o procedimento que vigora no país, há indícios de que norte-americanos têm recorrido a métodos condenáveis de tratamento de prisioneiros no Afeganistão, em Guantánamo (Cuba) e no Iraque.
A divulgação, pela rede de televisão CBS, de fotos supostamente tiradas por soldados americanos de iraquianos sendo torturados na prisão de Abu Ghraib, em Bagdá, confirma o que já se receava: que a tortura é um dos métodos pelos quais as tropas dos EUA estão extraindo informações de prisioneiros. Suspeitas semelhantes já foram levantadas em relação a detidos no Afeganistão e na base de Guantánamo.
No caso do Iraque, as suposições ganham materialidade com investigações do próprio Exército que levaram à exoneração de 17 militares apontados como envolvidos, dos quais seis deverão ser julgados.
É verdade que não existem guerras isentas de episódios de brutalidade. Nada, porém, justifica a tortura de pessoas aprisionadas pelas Forças Armadas dos EUA e, com isso, colocadas sob a guarda do Estado norte-americano. Ainda que essa não seja, obviamente, a política oficial de Washington, preocupa a multiplicação de casos de ex-detentos relatando ter sofrido maus-tratos. Lamentavelmente, há motivos para suspeitar que muitos comandantes tolerem atitudes mais violentas de suas tropas, principalmente quando elas resultam em informações valiosas.
Desse deplorável quadro de guerra e tortura emerge uma boa notícia. Os meios de comunicação norte-americanos parecem estar acordando da letargia a que foram levados após os ataques de 11 de Setembro e começam a questionar, ainda que de modo desigual, decisões e políticas do governo Bush. Pode-se falar mesmo numa certa impaciência demonstrada por setores da mídia, que vão se irritando, por exemplo, com a tentativa da Casa Branca de vetar imagens de caixões de soldados mortos no Iraque.
Vale frisar que isso tudo ocorre ao lado dos trabalhos da comissão independente que investiga possíveis erros de atuação do governo para prevenir os ataques terroristas de 2001 e de notícias sobre a piora da situação de segurança no Iraque. Como é natural, vai caindo o apoio da população dos EUA à guerra. Pesquisa CBS News/New York Times divulgada anteontem mostra que 47% dos norte-americanos acham que foi correta a decisão de invadir o Iraque. Há um ano, 70% apoiavam a ação. Esse descontentamento pode, é óbvio, produzir efeitos sobre a disputa eleitoral pela Casa Branca.
Seja como for, é preciso saudar a nova disposição da mídia. Depois de mais de dois anos e meio de docilidade em relação à Casa Branca, vai ressurgindo algo do espírito crítico que deve ser a marca da imprensa livre.


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