São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

Lula lá

Três em cada quatro analistas políticos consideram que, apesar das dificuldades para "decolar", o candidato do governo ainda é o favorito para a sucessão presidencial. Mesmo assim, não custa pensar no que pode ocorrer se o persistente candidato do PT, até há pouco considerado "azarão" que qualquer adversário esfolaria no segundo turno, acabar vencendo.
Antecipar o futuro é sempre tarefa ingrata, ainda mais em campanha tão imprevisível como esta. Mas a perspectiva de uma eventual vitória de Lula, como é sabido, já produz resultados hoje, na forma de ansiedade financeira que talvez assuma contornos de histeria no segundo semestre. Existem fundamentos para tal ansiedade?
Dois movimentos históricos vêm convertendo o PT em partido moderado de centro-esquerda, apesar da franja radical. O primeiro é o terremoto internacional que há mais de uma década derrubou o socialismo, tornou obsoletos os programas da esquerda e fez a política convergir para um mesmo receituário liberal-tecnocrático no mundo inteiro.
Na tentativa de reencontrar o "eixo", a esquerda flerta com a desordem ideológica dos dissidentes da globalização, uma frente de descontentamentos que não consegue traduzir-se num programa. Na prática, porém, o que a esquerda tem feito onde ainda conseguiu chegar ao poder é manter, em meio à retórica de "mudança", as linhas gerais da política liberal.
O outro movimento é de caráter doméstico e geracional. Os principais dirigentes do PT estão próximos da casa dos 60 anos. Amargaram muitas vezes o exílio, a clandestinidade, a prisão. Não pretendem permanecer na oposição para sempre. Agora que o tempo corre em seu encalço, e já que "o mundo mudou", estão inclinados a quase qualquer concessão.
O PT existe há mais de 20 anos; a rigor, é o mais antigo dos partidos brasileiros. Aprendeu a superar o círculo vicioso que era seu principal problema e expressava talvez sua maior virtude. Em resumo: eleito, o governante petista percebe que seu programa é impraticável, afasta-se dele e, em decorrência disso, tem sua administração paralisada pela militância.
A militância foi enquadrada. Caso Lula se eleja presidente, parte dela não tardará a promover um "racha", estabelecendo-se como PT "autêntico" na oposição. Essa perda será amplamente compensada, ao menos em termos numéricos, pela adesão entusiástica daquele que continua sendo o maior partido brasileiro, o Partido do Executivo Federal Tanto Faz o Presidente.
A fonte de possível instabilidade não está onde analistas estrangeiros, por desinformação ou dolo, apontam. Haverá - já está havendo - uma engraçada pantomima em que o partido, amedrontado, tudo fará para agradar, sem saber ainda que a "burguesia", descrita como bicho-papão nos manuais, é um animal medroso que apóia (quase) todo governo.
Maior problema será a onda de frustração que sobrevirá às expectativas de redenção social excitadas por uma vitória de Lula e que seu governo vai necessariamente burlar. E o acanhamento do personagem, formado na estreiteza do ambiente sindical e que nunca teve de tomar decisões de poder, nas quais não se agrada a uns sem desagradar a tantos outros.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.



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