|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OTAVIO FRIAS FILHO
Lula lá
Três em cada quatro analistas políticos consideram que, apesar das
dificuldades para "decolar", o candidato do governo ainda é o favorito para a sucessão presidencial. Mesmo assim, não custa pensar no que pode
ocorrer se o persistente candidato do
PT, até há pouco considerado "azarão" que qualquer adversário esfolaria
no segundo turno, acabar vencendo.
Antecipar o futuro é sempre tarefa
ingrata, ainda mais em campanha tão
imprevisível como esta. Mas a perspectiva de uma eventual vitória de Lula, como é sabido, já produz resultados hoje, na forma de ansiedade financeira que talvez assuma contornos
de histeria no segundo semestre. Existem fundamentos para tal ansiedade?
Dois movimentos históricos vêm
convertendo o PT em partido moderado de centro-esquerda, apesar da
franja radical. O primeiro é o terremoto internacional que há mais de uma
década derrubou o socialismo, tornou
obsoletos os programas da esquerda e
fez a política convergir para um mesmo receituário liberal-tecnocrático no
mundo inteiro.
Na tentativa de reencontrar o "eixo",
a esquerda flerta com a desordem
ideológica dos dissidentes da globalização, uma frente de descontentamentos que não consegue traduzir-se
num programa. Na prática, porém, o
que a esquerda tem feito onde ainda
conseguiu chegar ao poder é manter,
em meio à retórica de "mudança", as
linhas gerais da política liberal.
O outro movimento é de caráter doméstico e geracional. Os principais dirigentes do PT estão próximos da casa
dos 60 anos. Amargaram muitas vezes
o exílio, a clandestinidade, a prisão.
Não pretendem permanecer na oposição para sempre. Agora que o tempo
corre em seu encalço, e já que "o mundo mudou", estão inclinados a quase
qualquer concessão.
O PT existe há mais de 20 anos; a rigor, é o mais antigo dos partidos brasileiros. Aprendeu a superar o círculo
vicioso que era seu principal problema e expressava talvez sua maior virtude. Em resumo: eleito, o governante
petista percebe que seu programa é
impraticável, afasta-se dele e, em decorrência disso, tem sua administração paralisada pela militância.
A militância foi enquadrada. Caso
Lula se eleja presidente, parte dela não
tardará a promover um "racha", estabelecendo-se como PT "autêntico" na
oposição. Essa perda será amplamente compensada, ao menos em termos
numéricos, pela adesão entusiástica
daquele que continua sendo o maior
partido brasileiro, o Partido do Executivo Federal Tanto Faz o Presidente.
A fonte de possível instabilidade não
está onde analistas estrangeiros, por
desinformação ou dolo, apontam. Haverá - já está havendo - uma engraçada pantomima em que o partido,
amedrontado, tudo fará para agradar,
sem saber ainda que a "burguesia",
descrita como bicho-papão nos manuais, é um animal medroso que
apóia (quase) todo governo.
Maior problema será a onda de frustração que sobrevirá às expectativas
de redenção social excitadas por uma
vitória de Lula e que seu governo vai
necessariamente burlar. E o acanhamento do personagem, formado na
estreiteza do ambiente sindical e que
nunca teve de tomar decisões de poder, nas quais não se agrada a uns sem
desagradar a tantos outros.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Mundo perdido Próximo Texto: Frases
Índice
|