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São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 2003

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JOSÉ SARNEY

Um cavalo selado e não montado

Os judeus, conduzidos por Moisés, vagaram pelo deserto durante 40 anos para chegar à terra prometida. Nossa visão de hoje é a de que os precursores foram pessimistas e não tiveram a coragem de chegar.
É o mais antigo exemplo guardado em escrita de perda de oportunidade. Encarna aquilo que o ditado popular brasileiro bem define, numa imagem campestre: deixar o cavalo passar. O que o Macaco Simão, com o seu jeito inconfundível, glosou, quando da privatização das teles: "Todos temos de ter uma "opportunity'".
Lembro tudo isso, tentando usar humor, quando temos uma sensação de lástima, ao ver o que se passa no Oriente Médio, na trágica guerra palestina. Arafat teve sua grande oportunidade quando Clinton, ao olhar o fim do seu governo e querendo marcá-lo com um sinal permanente, chamou Barak a Camp David e propôs um novo Tratado de Paz, o mais vantajoso de todos os que já tinham sido colocados na mesa para resolver o conflito. Ele, que lutou tanto pelo seu povo, num momento decisivo, deixou passar a virada histórica. Não teve a coragem de Sadat, que fez o povo egípcio voltar ao Sinai. Nem repetiu o seu gesto com Rabin e Perez, quando assinaram os protocolos de Estocolmo, que até hoje são a pequena brasa não apagada, contida pelas cinzas da Intifada, que resistiu a todos esses anos de luta. Sadat e Rabin tiveram a bravura de morrer sem medo da história.
Hoje, humilhado, afastado de todas as mesas de negociação, refugiado nas ruínas de Ramallah, Arafat aceita a paz proposta por Bush, a chamada "feuille de route", que alguns dos nossos jornais traduzem como "mapa da estrada" e que nada mais é do que o mapa da mina.
Esse gesto de Arafat trouxe de volta a Intifada, a destruição do território ocupado pela Autoridade Palestina, a eleição de Sharon, o agravamento da situação palestina e, quem sabe, tenha favorecido as condições para a invasão do Iraque e tudo o mais a que assistimos agora.
De qualquer maneira, renasce a esperança da retomada de uma negociação de paz que possa construir um Estado palestino e que possa fazer voltar a tranquilidade que não têm e não tiveram as várias gerações que ali convivem com o cotidiano da guerra e a trágica visão de um futuro sem futuro.
O que Clinton não conseguiu, por essas injustiças do tempo, tenta Bush, no domínio de sua prepotência. A sua imagem bem se compõe com a de Sharon desfilando entre mortos e desesperadas vítimas do enfrentamento.
Ele também, de uma maneira diferente da de Arafat, está sendo empurrado pelos fatos, já que, como guerreiro, só lhe satisfaz a decisão das armas, da força e da violência.
O momento favorece o renascer da esperança. Os Estados Unidos, embora tenham ganhado a guerra do Iraque, têm de mudar sua imagem e, para isso, nada melhor do que uma solução para o Oriente Médio.
Uma oportunidade perdida, a de Clinton em Camp David, mostra como um gesto, uma decisão ou indecisão, pode trazer tragédia ou felicidade.
Nem todos têm essa sorte de "opportunity".


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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