|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Um cavalo selado e não montado
Os judeus, conduzidos por Moisés, vagaram pelo deserto durante 40 anos para chegar à terra prometida. Nossa visão de hoje é a de que os
precursores foram pessimistas e não
tiveram a coragem de chegar.
É o mais antigo exemplo guardado
em escrita de perda de oportunidade.
Encarna aquilo que o ditado popular
brasileiro bem define, numa imagem
campestre: deixar o cavalo passar. O
que o Macaco Simão, com o seu jeito
inconfundível, glosou, quando da privatização das teles: "Todos temos de
ter uma "opportunity'".
Lembro tudo isso, tentando usar humor, quando temos uma sensação de
lástima, ao ver o que se passa no
Oriente Médio, na trágica guerra palestina. Arafat teve sua grande oportunidade quando Clinton, ao olhar o fim
do seu governo e querendo marcá-lo
com um sinal permanente, chamou
Barak a Camp David e propôs um novo Tratado de Paz, o mais vantajoso
de todos os que já tinham sido colocados na mesa para resolver o conflito.
Ele, que lutou tanto pelo seu povo,
num momento decisivo, deixou passar a virada histórica. Não teve a coragem de Sadat, que fez o povo egípcio
voltar ao Sinai. Nem repetiu o seu gesto com Rabin e Perez, quando assinaram os protocolos de Estocolmo, que
até hoje são a pequena brasa não apagada, contida pelas cinzas da Intifada,
que resistiu a todos esses anos de luta.
Sadat e Rabin tiveram a bravura de
morrer sem medo da história.
Hoje, humilhado, afastado de todas
as mesas de negociação, refugiado nas
ruínas de Ramallah, Arafat aceita a
paz proposta por Bush, a chamada
"feuille de route", que alguns dos nossos jornais traduzem como "mapa da
estrada" e que nada mais é do que o
mapa da mina.
Esse gesto de Arafat trouxe de volta a
Intifada, a destruição do território
ocupado pela Autoridade Palestina, a
eleição de Sharon, o agravamento da
situação palestina e, quem sabe, tenha
favorecido as condições para a invasão do Iraque e tudo o mais a que assistimos agora.
De qualquer maneira, renasce a esperança da retomada de uma negociação de paz que possa construir um Estado palestino e que possa fazer voltar
a tranquilidade que não têm e não tiveram as várias gerações que ali convivem com o cotidiano da guerra e a trágica visão de um futuro sem futuro.
O que Clinton não conseguiu, por
essas injustiças do tempo, tenta Bush,
no domínio de sua prepotência. A sua
imagem bem se compõe com a de
Sharon desfilando entre mortos e desesperadas vítimas do enfrentamento.
Ele também, de uma maneira diferente da de Arafat, está sendo empurrado pelos fatos, já que, como guerreiro, só lhe satisfaz a decisão das armas,
da força e da violência.
O momento favorece o renascer da
esperança. Os Estados Unidos, embora tenham ganhado a guerra do Iraque, têm de mudar sua imagem e, para isso, nada melhor do que uma solução para o Oriente Médio.
Uma oportunidade perdida, a de
Clinton em Camp David, mostra como um gesto, uma decisão ou indecisão, pode trazer tragédia ou felicidade.
Nem todos têm essa sorte de "opportunity".
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: Depois do Tim Próximo Texto: Frases
Índice
|