São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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GRAVE CRISE

A crise que o país atravessa é grave. Ela tem aspectos puramente econômicos e também uma dimensão política, que se retroalimentam para resultar num círculo vicioso. Há quem acredite que os mercados e os grandes especuladores internacionais estejam colocando em prática uma chantagem contra a democracia. Ao considerar o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, um elemento desestabilizador da economia, investidores estão introduzindo no processo eleitoral uma nova variável.
Fica a ameaça -velada ou explícita, tanto faz- de que, se o candidato petista sagrar-se eleito, cessará o fluxo de capitais que financia as contas externas do país. Esse movimento, aliás, já teve início. Na verdade, para além da condenável ação de especuladores que procuram transformar o temor a Lula em lucro, existem pequenos, médios e grandes investidores que, com toda a legitimidade, tentam preservar seus interesses.
Mesmo o termo "investidores" merece uma análise um pouco mais cuidadosa. Por trás da imagem talvez pouco simpática dos gestores de fundos estão as economias de pessoas, que podem ser trabalhadores, aposentados, viúvas. Aceitas as regras da economia de mercado, qualquer movimento defensivo desses aplicadores é plenamente legítimo e perfeitamente racional.
Constatar essas obviedades não significa que o Brasil deva resignadamente aceitar tudo o que lhe seja imposto por investidores ou pela guerrilha eleitoral. Antes de mais nada, é fundamental cuidar para que não se alimente ainda mais a crise com interesses eleitoreiros.
O PT fez bem, por exemplo, ao afirmar, ainda que retoricamente, seu compromisso com alguns dos elementos mais fundamentais de uma política econômica responsável. Seria desejável que outros candidatos fizessem o mesmo.
A crer no que os principais postulantes à Presidência da República vêm afirmando, ninguém defende uma ruptura com as regras da economia de mercado. Os concorrentes têm agora a obrigação de reafirmar esse princípio e de detalhar suas propostas de política econômica.
A economia é terreno fértil para as chamadas profecias auto-realizáveis. Colocar combustível na crise, mesmo acreditando fazê-lo de modo controlado, poderá revelar-se trágico se desencadear, por exemplo, uma corrida contra o real.
Não se pode minimizar o fato de que a fragilidade das contas externas e o aumento rápido da dívida pública constituem o caldo de cultura para os questionamentos em torno do cumprimento dos contratos relativos às dívida interna e externa. Se a posição da economia fosse realmente sólida, a incerteza não teria como prosperar. E essas fragilidades não são obra do futuro governo: são resultados da atual política econômica, que foi bem-sucedida em estabilizar os preços, mas que, no fundo, trocou inflação por dívida.
Mesmo que os candidatos que realmente têm chances de chegar à Presidência coloquem o cálculo político acima dos reais interesses da população -o que pode ocorrer num período eleitoral-, convém a cada um deles manter a crise pelo menos estancada. Um agravamento da situação econômica agora, ou mesmo uma deterioração acentuada no perfil da dívida pública, poderá dificultar ainda mais o futuro da próxima administração federal.


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