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BORIS FAUSTO
A reforma política
Na medida em que a reforma da
Previdência e a tributária concentram todas as atenções, a reforma
política acabou ficando para um tempo futuro, em um compasso de espera
de duração imprevisível. Nem por isso
ela é um tema de pouca importância,
se quisermos caminhar no sentido da
consolidação do sistema partidário.
Um dos exemplos mais aberrantes
de nosso quadro político é a questão
da infidelidade partidária. Nos dias
que correm, por exemplo, assistimos a
uma ofensiva sem princípios e sem limites do partido no governo para
conquistar ampla maioria no Congresso. A última façanha, como se sabe, veio com a adesão ao governismo
de oito deputados eleitos pelo PSDB,
esperando-se novas defecções.
Não é que o governo passado deixasse de incidir na prática, mas a formação de uma aliança razoavelmente
estável impediu que a sedução do poder se transformasse no rolo compressor dos dias de hoje. Esse novo ímpeto
decorre principalmente da natureza
das alianças promovidas pelo PT no
curso da campanha eleitoral. Ou elas
careciam de qualquer fundamento
programático -caso do PL-, ou baseavam-se, com relação aos aliados de
esquerda, em uma agenda deixada de
lado e, mais ainda, substituída por
uma agenda oculta.
É significativo observar que, na busca de lograr maioria para aprovar suas
propostas, o partido do governo adota
uma lógica contraditória. No plano
externo, vale vulnerar princípios e seduzir trânsfugas com um leque de
vantagens e promessas sempre à disposição de quem detém o poder. No
plano interno, pelo contrário, a direção petista aplica a ferro e fogo o princípio da disciplina partidária, suprimindo até mesmo o pronunciamento
de instâncias intermediárias do partido para lograr homogeneidade. Implícita nesse procedimento, ao que tudo indica, está a convicção de que garantir a ordem unida partidária é muito mais importante do que contribuir
para o aperfeiçoamento do sistema
democrático.
Em que medida a reforma política
poderia minorar esse estado de coisas?
A óbvia resposta está na instituição de
regras de fidelidade partidária, sem falar na introdução das candidaturas
por listas - tema complexo que aqui
deixo de lado.
Seria ingenuidade supor que tais regras resolveriam um problema de
fundo que decorre principalmente da
fragilidade e da inconsistência de nossos partidos políticos. Seria também
ingenuidade supor que estaríamos no
caminho da construção de partidos
ideologicamente muito consistentes,
com militância atuante, quando o
mundo de hoje aponta para uma tendência diversa.
Mas entre um ideal provavelmente
inatingível e a passividade diante do
quadro atual vai uma larga distância.
A introdução de regras de fidelidade
partidária induziria, entre outros benefícios, um saneamento das candidaturas e a previsibilidade do comportamento dos partidos em face das grandes questões nacionais, concorrendo
ainda para melhorar a imagem da elite
política. Substituir o balcão do mercado partidário por um razoável grau de
seriedade e de coerência seria, assim,
um grande passo no caminho do
aperfeiçoamento das instituições democráticas.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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