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São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 2003

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BORIS FAUSTO

A reforma política

Na medida em que a reforma da Previdência e a tributária concentram todas as atenções, a reforma política acabou ficando para um tempo futuro, em um compasso de espera de duração imprevisível. Nem por isso ela é um tema de pouca importância, se quisermos caminhar no sentido da consolidação do sistema partidário.
Um dos exemplos mais aberrantes de nosso quadro político é a questão da infidelidade partidária. Nos dias que correm, por exemplo, assistimos a uma ofensiva sem princípios e sem limites do partido no governo para conquistar ampla maioria no Congresso. A última façanha, como se sabe, veio com a adesão ao governismo de oito deputados eleitos pelo PSDB, esperando-se novas defecções.
Não é que o governo passado deixasse de incidir na prática, mas a formação de uma aliança razoavelmente estável impediu que a sedução do poder se transformasse no rolo compressor dos dias de hoje. Esse novo ímpeto decorre principalmente da natureza das alianças promovidas pelo PT no curso da campanha eleitoral. Ou elas careciam de qualquer fundamento programático -caso do PL-, ou baseavam-se, com relação aos aliados de esquerda, em uma agenda deixada de lado e, mais ainda, substituída por uma agenda oculta.
É significativo observar que, na busca de lograr maioria para aprovar suas propostas, o partido do governo adota uma lógica contraditória. No plano externo, vale vulnerar princípios e seduzir trânsfugas com um leque de vantagens e promessas sempre à disposição de quem detém o poder. No plano interno, pelo contrário, a direção petista aplica a ferro e fogo o princípio da disciplina partidária, suprimindo até mesmo o pronunciamento de instâncias intermediárias do partido para lograr homogeneidade. Implícita nesse procedimento, ao que tudo indica, está a convicção de que garantir a ordem unida partidária é muito mais importante do que contribuir para o aperfeiçoamento do sistema democrático.
Em que medida a reforma política poderia minorar esse estado de coisas? A óbvia resposta está na instituição de regras de fidelidade partidária, sem falar na introdução das candidaturas por listas - tema complexo que aqui deixo de lado.
Seria ingenuidade supor que tais regras resolveriam um problema de fundo que decorre principalmente da fragilidade e da inconsistência de nossos partidos políticos. Seria também ingenuidade supor que estaríamos no caminho da construção de partidos ideologicamente muito consistentes, com militância atuante, quando o mundo de hoje aponta para uma tendência diversa.
Mas entre um ideal provavelmente inatingível e a passividade diante do quadro atual vai uma larga distância. A introdução de regras de fidelidade partidária induziria, entre outros benefícios, um saneamento das candidaturas e a previsibilidade do comportamento dos partidos em face das grandes questões nacionais, concorrendo ainda para melhorar a imagem da elite política. Substituir o balcão do mercado partidário por um razoável grau de seriedade e de coerência seria, assim, um grande passo no caminho do aperfeiçoamento das instituições democráticas.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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