São Paulo, quarta-feira, 30 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

PT, um governo de centro-direita

CESAR MAIA

Desde 1997 venho acompanhando pesquisas nacionais e regionais que buscam identificar a percepção do eleitor sobre a posição ideológica de governos, partidos e políticos. Para isso, colocam-se numa régua marcada de zero a dez as posições ideológicas da extrema direita à extrema esquerda, e pede-se ao entrevistado que localize o político ou o partido ou o governo. Na pesquisa seguinte, inverte-se a escala, para eliminar o efeito que os números possam dar. Em outras pesquisas, coloca-se sobre a régua uma escala de um a sete, de modo a reduzir ainda mais a subjetividade dos decimais por influência da escola. Como praticamente a metade dos eleitores não se posiciona ideologicamente, e como outros 30% posicionam a si mesmos geralmente no centro, o peso da prevenção contra esta ou aquela posição é muito baixo e o "parti pris" é igualmente ideológico.
Dessa forma, não será o discurso dos políticos e partidos que levará o eleitor a localizá-los ideologicamente, mas sim a sua ação de governo.


Como o proletariado não tem mais inspiração revolucionária, seus interesses são basicamente econômicos


Até 2002, o PT, que ainda não havia governado o país, era avaliado pelo discurso. Agora, o será pela prática. Quanto mais se confundir com o passado, mais será posicionado na régua como os demais. Com o PSDB foi assim. Assumiu o governo em 1995, posicionado na régua conforme o seu discurso: um pouco à esquerda do centro. No entanto, progressivamente, foi sendo percebido num deslocamento à direita, até ser confundido com o PFL -que, devido ao deslocamento do PSDB, terminou caminhando para a esquerda na região que fica à direita do centro. Isso afligiu o partido dos tucanos a ponto de tentarem ajustar essa percepção por meio da mudança de parceria a partir de 2000, buscando ingenuamente o PMDB e o PTB para substituir o PFL. Esses movimentos partidários são imperceptíveis para um eleitorado não ideologizado e sempre têm um custo determinado.
O PT já iniciou o mesmo processo do PSDB, que pode ser identificado pela percepção do deslocamento do presidente Lula na régua. E por que seu governo tem essa característica? Será um período de transição, como o governo justifica? Afirmo que não. Trata-se da natureza mesma do governo. Todos os governos sofrem influências de diversos tipos. Mas há sempre uma dominante. E qual é a do governo do PT-Lula? É a do sindicalismo privado e, em especial, a das grandes empresas com fortes sindicatos, particularmente os de São Paulo.
As medidas adotadas pelo governo em relação aos servidores públicos e a representação escolhida no ministério para artistas e intelectuais nas pastas da Cultura e da Ciência e Tecnologia mostram que, das matrizes do PT, apenas uma mantém sua representação com ampla e direta participação no governo: é o sindicalismo -mais precisamente o sindicalismo privado e de grandes grupos econômicos.
Como o proletariado não tem mais inspiração revolucionária, seus interesses são basicamente econômicos. Sendo assim, confundem-se com os interesses dos empregadores, que, quanto maior for a margem que obtiverem, mais poderão conceder. Vimos isso em relação ao alívio de tributação num quadro geral de exacerbação da mesma e de decisões que vão do crédito à simbologia, com o presidente, de corpo presente, dezenas de vezes visto entre patrões e empregados, distribuindo imagens para as TVs. A dominância do sindicalismo privado das grandes empresas é que dá o tom ao governo.
Convergentemente, por outro lado entram as políticas sociais focalizadas, típicas do social-liberalismo que tem como estratégia a igualação das condições de partida. Assim, o governo do PT-Lula está estruturado entre a política econômica de interesse do sindicalismo das empresas globalizadas e a política social-liberal focalizada.
Quem colocar a régua ideológica nas pesquisas poderá ver que o eleitor, pragmaticamente, já está deslocando o governo do PT-Lula, nessa régua, em direção à direita. E não é sem razão que, para introduzir políticas convergentes, é necessário se associar a forças políticas inorgânicas que não afetem a hegemonia sindical e o equilíbrio social-liberal. Para isso bastam concessões individuais. E muita propaganda em cima, para tentar dizer o que não faz e afirmar o que já foi e não é mais.
Digamos, com Fernando Pessoa: "Temos, todos que vivemos,/ uma vida que é vivida/ E outra que é pensada/ E a única vida que temos/ É essa que é dividida/ Entre a verdadeira e a errada".

Cesar Maia, 59, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro.


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