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TENDÊNCIAS/DEBATES
O comando do programa espacial brasileiro deve ser exclusivamente civil?
NÃO
Civil ou militar?
ALDO VIEIRA DA ROSA
Há un s 2.000 anos, o general que
cruzasse o rio Rubicão, na Itália, e
entrasse no território romano com suas
legiões estaria cometendo um crime de
traição. Foi exatamente o que Júlio César fez em 49 a.C. Esse ato contribuiu
significativamente para acabar com a
República e criar o império romano, um
fato que ilustra as dificuldades do relacionamento entre um regime democrático civil e suas Forças Armadas.
A Roma republicana precisava de
suas legiões para a defesa e a conquista,
mas reconhecia o perigo de golpes militares. Estabeleceu leis a fim de manter as
forças militares fora da zona metropolitana. Esse equilíbrio, inerentemente
instável, persistiu por longo tempo.
Democracias civis são muito mais desejáveis do que regimes teocráticos ou
militares, mas estes últimos são muito
mais fáceis de estabelecer e de manter.
Hoje, nações ainda precisam de Exércitos, e aquelas que prezam um governo
civil precisam achar uma fórmula que
claramente delimite as funções dos militares. Infelizmente, para isso não existem modelos rígidos, existe somente a
necessidade de constantemente rever
cada situação com calma e deliberação.
Um forte componente cultural predispõe certos povos a optar por democracias civis. Os EUA, nascidos de elementos que se revoltaram contra a tirania européia, adotaram de maneira natural uma inclinação pela autoridade civil, sem no entanto enfraquecer seu poderio militar. Também o Brasil tem longa tradição de preferir um governo civil,
desde o tempo do Império até a data de
hoje (com o relativamente curto interregno de 1964).
O triste acidente de Alcântara, em que
perdemos tantos preciosos elementos,
sugere revermos mais uma vez a interação civil/militar no Brasil. Alcântara não
deve ser, no entanto, uma oportunidade
para avançar idéias simplistas só por serem elas "politicamente" corretas.
Idéias precisam ser calcadas em política
pragmática, ponderada cuidadosamente. Simplesmente afastar os militares do
projeto pode não ser a melhor solução;
pode até não ser solução nenhuma.
Criar uma nova entidade civil para essas
atividades seria uma solução burocrática sem sentido -já temos no Inpe uma
tal entidade, que vem desincumbindo
sua missão de maneira laudável.
Vejamos a contribuição militar.
Desde os primeiros momentos da
criação do Inpe, reconheceu-se que atividades espaciais têm aspectos militares
e civis e que mesmo atividades estritamente civis poderiam se beneficiar da
cooperação militar. Por exemplo, lançamentos de mísseis e satélites requerem
uma base de operação, o que implica
problemas de logística e de segurança,
áreas em que as Forças Armadas se especializam. Faz pouco sentido criar
uma onerosa organização civil quando
o país já possui, na Aeronáutica, no
Exército e na Marinha, o pessoal e a experiência necessários. Note-se que, em
geral, não se trata de ampliar as Forças
Armadas para executar tais tarefas.
Desenvolvimentos tecnológicos precisam frequentemente ser patrocinados
(leia-se pagos) pelo governo, especialmente na fase em que há ainda grandes
incertezas quanto ao sucesso. Indubitavelmente, a maneira mais eficiente é o
governo emitir contratos de desenvolvimento com empresas privadas. Esse
procedimento é comum nos EUA e em
muitos outros países avançados, mas é
menos comum aqui entre nós, onde a
cultura do "deixa que eu chuto" impele
os órgãos governamentais a criarem
seus próprios laboratórios e institutos.
Por outro lado, o uso de laboratórios
governamentais tem suas vantagens em
determinadas situações. Nos EUA existem inúmeros grandes laboratórios nacionais. Muitos funcionam sob égide do
Ministério da Energia; muitos estão sob
controle das Forças Armadas. Mas não
usemos os EUA como paradigma. Soluções eficazes lá podem ser desaconselháveis no Brasil. Necessitamos de política apropriada, da mesma maneira que
necessitamos de tecnologia apropriada.
Precisamos usar a cabeça e encontrar
soluções autóctones.
No Brasil, a proporção do desenvolvimento tecnológico feito por instituições
governamentais, comparada com o feito diretamente pela indústria, parece
excessiva. Isso leva a dificuldades de implementação comercial dos produtos e
serviços criados e consequente reduzida
contribuição para a economia nacional.
No entanto temos organizações governamentais que fazem pesquisas e desenvolvimento de alto valor e, entre essas, destaca-se o CTA.
Esse é exatamente o local onde estão
sendo desenvolvidos os foguetes usados
em Alcântara. Seria difícil questionar a
dedicação e a competência do pessoal
do CTA. Poderíamos, quando muito,
examinar se lá é o local mais adequado
para o desenvolvimento de foguetes ou
se tal atividade deveria ser contratada
com indústria privada.
Mesmo que adotássemos esta última
alternativa, precisaríamos de uma entidade governamental para supervisionar
o contrato, e nenhuma melhor que o
CTA para essa função. Seria absurdo tirar o CTA do circuito simplesmente dada a sua natureza militar. Não devemos
nos precipitar. O CTA pode bem ser o
melhor lugar para esses trabalhos. Devemos apenas aproveitar a ocasião para
reexaminar todos os aspectos dos nossos esforços a fim de conquistarmos
uma fatia do espaço extraterrestre.
Aldo Vieira da Rosa, 83, doutor em engenharia
e brigadeiro-do-ar reformado, é professor emérito da Universidade Stanford (EUA) e fundador do Inpe. Foi presidente do Conselho Nacional de
Pesquisa, atual CNPq.
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