|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O comando do programa espacial brasileiro deve ser exclusivamente civil?
SIM
Revisão e mutirão
RENATO MACHADO COTTA e FERNANDO A. ROCHINHA
O primeiro momento após uma
tragédia como a que se abateu sobre o programa espacial brasileiro no
dia 22 é de consternação, de respeito à
dor dos parentes e amigos das vítimas e
do exercício da solidariedade.
Logo após, segue-se um período de
muitas especulações, em que se busca
encontrar as causas e investigar a inexorabilidade do ocorrido. As respostas envolverão uma análise minuciosa e rigorosa por parte de uma comissão de especialistas já nomeada pelas autoridades competentes. Essa apuração levará
um tempo considerável -basta lembrar que só nesta semana foi apresentado o primeiro relatório técnico oficial
sobre a queda do ônibus espacial Columbia, ocorrida em janeiro último.
O país com tecnologia espacial mais
avançada do mundo deu um recente e
oportuno exemplo de revisão do seu
programa espacial. Após o não menos
trágico acidente com seu ônibus espacial Columbia, foi constituída uma comissão independente para a avaliação
das causas do acidente, local e globalmente. Dentre as 29 recomendações do
trabalho dessa comissão, a satisfação de
15 delas se mostra impeditiva para qualquer nova ação da Nasa no programa
do ônibus espacial. Entretanto, mais do
que analisar os detalhes técnicos da falha específica, essa comissão percorreu
procedimentos técnicos em geral, bem
como organizacionais e gerenciais, de
todo o programa espacial.
Sem prejuízo do trabalho de outra comissão interna da Nasa, essa comissão
independente, socialmente mais representativa, ofereceu à sociedade civil
uma resposta à altura da importância
do programa tecnológico para a sociedade e, ainda mais, pelo vulto dos investimentos nele despendidos, até aqui e
futuramente. Certamente, aos técnicos
da própria Nasa essa visão externa, crítica e isenta de resquícios de disputas internas e vícios gerenciais, só poderá
acrescentar qualidade, diversidade e segurança ao seu trabalho.
Independentemente das circunstâncias técnicas que levaram à tragédia, o
país volta seus olhos ao programa espacial, discutindo questões fundamentais,
como a necessidade de dar continuidade aos objetivos brasileiros traçados anteriormente. Essa discussão inexoravelmente será permeada pela emoção;
cumpre, no entanto, levá-la a termo, explorando as diversas facetas e perspectivas que envolvem o assunto.
No Brasil, desde o estabelecimento da
Missão Espacial Completa Brasileira
(MECB), no final dos anos 70, a execução do programa espacial ficou a cargo
quase que exclusivamente de dois centros de pesquisa: o Inpe, hoje vinculado
ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e
o IAE-CTA (Instituto de Aeronáutica e
Espaço), este vinculado ao Ministério
da Defesa, cabendo, em linhas gerais, a
cada um tarefas específicas e relativamente independentes no programa, ou
seja, projeto e construção de satélites, e
do Centro de Lançamentos e Veículo
Lançador de Satélites, respectivamente.
Após a criação da Agência Espacial
Brasileira, não foi alterada de maneira
significativa essa estrutura organizacional e de execução. Ao longo desses mais
de 20 anos, o modelo central do programa espacial, exceto por algumas adaptações técnicas, foi pouco revisto e alterado, sendo executado com maior ou
menor grau de sucesso, dependendo da
etapa, por equipes razoavelmente voláteis, tendo em vista causas diversas, como baixos salários e atratividade do
mercado de trabalho na região.
Torna-se necessário que no Brasil se
rediscuta, junto com outros aspectos essenciais, como o aumento da participação das universidades e dos centros de
pesquisa, o papel das instituições que
participam ativamente de nosso projeto
espacial e que se estabeleçam, claramente, linhas de atuação e o comando.
O momento chama por um mutirão
científico e tecnológico, sob a liderança
e coordenação da AEB. Para construir a
partir de tão grande perda ocasionada
no acidente com o Veículo Lançador de
Satélites, deve-se buscar a colaboração
de todos aqueles que, de alguma forma,
possam ajudar nessa tarefa de revisão e
reconstrução do programa espacial brasileiro. O debate que nasce a partir do
acidente deve ser aprofundado e conduzido de forma serena e madura. Esse debate deverá robustecer o programa espacial brasileiro, o que será uma forma
de respeitar e dignificar a memória dos
que se foram no trágico acidente.
Renato Machado Cotta, 44, e Fernando A. Rochinha, 41, são professores do programa de engenharia mecânica da Coppe (Coordenação dos
Programas de Pós-graduação em Engenharia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES O comando do programa espacial brasileiro deve ser exclusivamente civil? Não - Aldo Vieira da Rosa: Civil ou militar? Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|