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São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O comando do programa espacial brasileiro deve ser exclusivamente civil?

SIM

Revisão e mutirão

RENATO MACHADO COTTA e FERNANDO A. ROCHINHA

O primeiro momento após uma tragédia como a que se abateu sobre o programa espacial brasileiro no dia 22 é de consternação, de respeito à dor dos parentes e amigos das vítimas e do exercício da solidariedade.
Logo após, segue-se um período de muitas especulações, em que se busca encontrar as causas e investigar a inexorabilidade do ocorrido. As respostas envolverão uma análise minuciosa e rigorosa por parte de uma comissão de especialistas já nomeada pelas autoridades competentes. Essa apuração levará um tempo considerável -basta lembrar que só nesta semana foi apresentado o primeiro relatório técnico oficial sobre a queda do ônibus espacial Columbia, ocorrida em janeiro último.
O país com tecnologia espacial mais avançada do mundo deu um recente e oportuno exemplo de revisão do seu programa espacial. Após o não menos trágico acidente com seu ônibus espacial Columbia, foi constituída uma comissão independente para a avaliação das causas do acidente, local e globalmente. Dentre as 29 recomendações do trabalho dessa comissão, a satisfação de 15 delas se mostra impeditiva para qualquer nova ação da Nasa no programa do ônibus espacial. Entretanto, mais do que analisar os detalhes técnicos da falha específica, essa comissão percorreu procedimentos técnicos em geral, bem como organizacionais e gerenciais, de todo o programa espacial.
Sem prejuízo do trabalho de outra comissão interna da Nasa, essa comissão independente, socialmente mais representativa, ofereceu à sociedade civil uma resposta à altura da importância do programa tecnológico para a sociedade e, ainda mais, pelo vulto dos investimentos nele despendidos, até aqui e futuramente. Certamente, aos técnicos da própria Nasa essa visão externa, crítica e isenta de resquícios de disputas internas e vícios gerenciais, só poderá acrescentar qualidade, diversidade e segurança ao seu trabalho.
Independentemente das circunstâncias técnicas que levaram à tragédia, o país volta seus olhos ao programa espacial, discutindo questões fundamentais, como a necessidade de dar continuidade aos objetivos brasileiros traçados anteriormente. Essa discussão inexoravelmente será permeada pela emoção; cumpre, no entanto, levá-la a termo, explorando as diversas facetas e perspectivas que envolvem o assunto.
No Brasil, desde o estabelecimento da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), no final dos anos 70, a execução do programa espacial ficou a cargo quase que exclusivamente de dois centros de pesquisa: o Inpe, hoje vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e o IAE-CTA (Instituto de Aeronáutica e Espaço), este vinculado ao Ministério da Defesa, cabendo, em linhas gerais, a cada um tarefas específicas e relativamente independentes no programa, ou seja, projeto e construção de satélites, e do Centro de Lançamentos e Veículo Lançador de Satélites, respectivamente.
Após a criação da Agência Espacial Brasileira, não foi alterada de maneira significativa essa estrutura organizacional e de execução. Ao longo desses mais de 20 anos, o modelo central do programa espacial, exceto por algumas adaptações técnicas, foi pouco revisto e alterado, sendo executado com maior ou menor grau de sucesso, dependendo da etapa, por equipes razoavelmente voláteis, tendo em vista causas diversas, como baixos salários e atratividade do mercado de trabalho na região.
Torna-se necessário que no Brasil se rediscuta, junto com outros aspectos essenciais, como o aumento da participação das universidades e dos centros de pesquisa, o papel das instituições que participam ativamente de nosso projeto espacial e que se estabeleçam, claramente, linhas de atuação e o comando.
O momento chama por um mutirão científico e tecnológico, sob a liderança e coordenação da AEB. Para construir a partir de tão grande perda ocasionada no acidente com o Veículo Lançador de Satélites, deve-se buscar a colaboração de todos aqueles que, de alguma forma, possam ajudar nessa tarefa de revisão e reconstrução do programa espacial brasileiro. O debate que nasce a partir do acidente deve ser aprofundado e conduzido de forma serena e madura. Esse debate deverá robustecer o programa espacial brasileiro, o que será uma forma de respeitar e dignificar a memória dos que se foram no trágico acidente.


Renato Machado Cotta, 44, e Fernando A. Rochinha, 41, são professores do programa de engenharia mecânica da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro).


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