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CARLOS HEITOR CONY
Caju amigo
RIO DE JANEIRO - Esta será a segunda ou a terceira vez que elogiarei o presidente da República. Ao
longo do primeiro mandato e neste
início do segundo, um dos meus temas prediletos foi criticá-lo -algumas vezes com alguma, e talvez injusta, veemência. Mas não resisti à
sua foto exibindo um bonito caju,
que se adivinha gordo e sumarento.
Depois de lançar o Fome Zero e o
Bolsa Família, promover uma cruzada de redenção para o caju é salutar, embora não seja necessário.
Para falar a verdade, não morro
de amores pelo caju, embora aprecie uma cajuada feita a preceito.
Gilberto Freyre e Humberto de
Campos, um sob o ponto de vista
sociológico, outro sob o aspecto literário, deixaram páginas admiráveis sobre a fruta, que tem realmente um gosto de Brasil.
Os primeiros visitantes que aqui
chegaram deliciaram-se com a bebida que os índios ofereciam aos estrangeiros. Tratava-se de um refresco espumante, artesanal. O caju
era mastigado pacientemente e
cuspido numa bacia de barro. A
massa ficava três dias ao relento,
para a devida fermentação, mal
comparando, como certos vinhos,
que passam anos para se transformar em champanhe. O gosto -diziam- era melhor do que o do hidromel, a bebida servida aos deuses
no Olimpo.
Há métodos modernos para obter fermentação mais adequada ao
nosso gosto civilizado. Por tudo isso, louvo o presidente e sua foto
contemplando com carinho um
gordo e nutritivo caju. Seria mais
simbólico, e condizente com o tempo que atravessamos, se ele estivesse segurando um abacaxi ou um pepino. Não colaria bem na sociedade
o presidente da República patrocinar uma cruzada pelo abacaxi ou
pelo pepino, que, aliás, não precisam de patrocínio nem de cruzada
cívica para entrarem na pauta dos
apetites nacionais.
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