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TENDÊNCIAS/DEBATES
Por que atualizar os índices de produtividade
GUILHERME CASSEL
É preciso avançar na direção de um plano diretor para as áreas rurais para superar a lógica do vale-tudo e suas conseqüências negativas
EM ARTIGO publicado nesta Folha (4/8, pág. B2), o ex-ministro
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Roberto Rodrigues criticou a proposta de atualização dos índices de produtividade agrícola no
Brasil. Mais que questionar a metodologia para a atualização desses índices -exigência constitucional, vale
destacar-, Rodrigues critica a própria existência de tais indicadores.
Segundo a lógica que anima a argumentação do referido artigo, a adoção
de políticas públicas para regular a
exploração econômica da terra é algo
negativo e penaliza os produtores. O
mercado e as regras da competição,
sustenta Rodrigues, representam a
melhor forma de resolver os problemas no campo brasileiro.
Considerando a importância do tema, é indispensável apontar dois problemas centrais nessa argumentação.
O primeiro reside na rejeição à
idéia de regulação pública no que diz
respeito ao uso da terra. A terra, não
custa lembrar, é um bem natural limitado, assim como a água e o ar.
O conceito de função social da propriedade e a adoção de índices de produtividade para determinar o cumprimento ou não dessa função são
conquistas da democracia moderna,
respeitadas nos países mais desenvolvidos. Desde 1993, a legislação
brasileira estabelece que tais índices
devem ser atualizados periodicamente para expressar o progresso da agricultura e o desenvolvimento regional, o que não aconteceu até hoje.
Não é correto afirmar que "só no
campo se exige uma produtividade
mínima". Trata-se de uma cláusula
democrática e republicana, fruto da
concepção de que a atividade econômica e a exploração de recursos naturais devem resultar em progresso e
vida digna para o conjunto de uma
sociedade, e não apenas para alguns.
Além disso, tais exigências têm
contrapartidas positivas por parte do
Estado, que atua como agente indutor de desenvolvimento (por meio de
investimentos em pesquisa e de políticas de crédito diferenciadas das do
mercado financeiro, por exemplo) e
como instância de apoio a produtores
que estejam em dificuldades (como
ocorre no caso de renegociação de dívidas e de socorro em caso de adversidades climáticas).
Historicamente, a ausência de
marcos regulatórios públicos gerou
no campo concentração de terra e
renda. A resistência à adoção desses
instrumentos é uma triste herança
dos tempos coloniais de nosso país.
A idéia de limite já foi incorporada
no contexto do desenvolvimento urbano, mas ainda enfrenta resistências no meio rural. A população das
cidades já incorporou essa idéia e, por
meio dos planos diretores, estabelece
regras para regular temas como a altura de prédios, a preservação de
áreas verdes e culturais.
Precisamos avançar na direção da
construção de um plano diretor para
as áreas rurais para superar a lógica
do vale-tudo e suas conseqüências
negativas.
O segundo problema no artigo de
Rodrigues consiste em alegar que a fixação de novos índices penalizaria os
agricultores que investiram em tecnologia e no aumento de produtividade. A contradição, aqui, reside em defender o aumento da produtividade e,
ao mesmo tempo, defender quem
não produz.
Segundo a proposta elaborada em
conjunto pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, quem produz não é atingido.
Aliás, historicamente, a exigência
de produtividade tem sido um poderoso instrumento de aumento de
produção, seja pela incorporação de
terras ociosas, seja pelo aumento da
produtividade dos imóveis rurais.
Os índices que estão sendo propostos são inferiores aos praticados pela
grande maioria dos produtores, atingindo apenas os 10% menos produtivos do país.
Trata-se, portanto, de um processo
que tem por objetivo principal aumentar a produção e a produtividade
do campo brasileiro, e não penalizar
quem produz. Um hectare que não
produz é um hectare perdido para o
país. Além de valorizar a produção e
os ganhos de produtividade, a regulação pública dessa atividade está relacionada à segurança alimentar da população e a um padrão de desenvolvimento ambientalmente sustentável.
A proposta de atualização dos índices
de produtividade é um passo nessa
direção. Quem ganha com ela é o país.
GUILHERME CASSEL, 50, engenheiro civil, é ministro do
Desenvolvimento Agrário.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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