São Paulo, quinta-feira, 30 de agosto de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Por que atualizar os índices de produtividade

GUILHERME CASSEL

É preciso avançar na direção de um plano diretor para as áreas rurais para superar a lógica do vale-tudo e suas conseqüências negativas

EM ARTIGO publicado nesta Folha (4/8, pág. B2), o ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Roberto Rodrigues criticou a proposta de atualização dos índices de produtividade agrícola no Brasil. Mais que questionar a metodologia para a atualização desses índices -exigência constitucional, vale destacar-, Rodrigues critica a própria existência de tais indicadores.
Segundo a lógica que anima a argumentação do referido artigo, a adoção de políticas públicas para regular a exploração econômica da terra é algo negativo e penaliza os produtores. O mercado e as regras da competição, sustenta Rodrigues, representam a melhor forma de resolver os problemas no campo brasileiro.
Considerando a importância do tema, é indispensável apontar dois problemas centrais nessa argumentação. O primeiro reside na rejeição à idéia de regulação pública no que diz respeito ao uso da terra. A terra, não custa lembrar, é um bem natural limitado, assim como a água e o ar.
O conceito de função social da propriedade e a adoção de índices de produtividade para determinar o cumprimento ou não dessa função são conquistas da democracia moderna, respeitadas nos países mais desenvolvidos. Desde 1993, a legislação brasileira estabelece que tais índices devem ser atualizados periodicamente para expressar o progresso da agricultura e o desenvolvimento regional, o que não aconteceu até hoje.
Não é correto afirmar que "só no campo se exige uma produtividade mínima". Trata-se de uma cláusula democrática e republicana, fruto da concepção de que a atividade econômica e a exploração de recursos naturais devem resultar em progresso e vida digna para o conjunto de uma sociedade, e não apenas para alguns.
Além disso, tais exigências têm contrapartidas positivas por parte do Estado, que atua como agente indutor de desenvolvimento (por meio de investimentos em pesquisa e de políticas de crédito diferenciadas das do mercado financeiro, por exemplo) e como instância de apoio a produtores que estejam em dificuldades (como ocorre no caso de renegociação de dívidas e de socorro em caso de adversidades climáticas).
Historicamente, a ausência de marcos regulatórios públicos gerou no campo concentração de terra e renda. A resistência à adoção desses instrumentos é uma triste herança dos tempos coloniais de nosso país.
A idéia de limite já foi incorporada no contexto do desenvolvimento urbano, mas ainda enfrenta resistências no meio rural. A população das cidades já incorporou essa idéia e, por meio dos planos diretores, estabelece regras para regular temas como a altura de prédios, a preservação de áreas verdes e culturais.
Precisamos avançar na direção da construção de um plano diretor para as áreas rurais para superar a lógica do vale-tudo e suas conseqüências negativas.
O segundo problema no artigo de Rodrigues consiste em alegar que a fixação de novos índices penalizaria os agricultores que investiram em tecnologia e no aumento de produtividade. A contradição, aqui, reside em defender o aumento da produtividade e, ao mesmo tempo, defender quem não produz.
Segundo a proposta elaborada em conjunto pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, quem produz não é atingido. Aliás, historicamente, a exigência de produtividade tem sido um poderoso instrumento de aumento de produção, seja pela incorporação de terras ociosas, seja pelo aumento da produtividade dos imóveis rurais.
Os índices que estão sendo propostos são inferiores aos praticados pela grande maioria dos produtores, atingindo apenas os 10% menos produtivos do país.
Trata-se, portanto, de um processo que tem por objetivo principal aumentar a produção e a produtividade do campo brasileiro, e não penalizar quem produz. Um hectare que não produz é um hectare perdido para o país. Além de valorizar a produção e os ganhos de produtividade, a regulação pública dessa atividade está relacionada à segurança alimentar da população e a um padrão de desenvolvimento ambientalmente sustentável.
A proposta de atualização dos índices de produtividade é um passo nessa direção. Quem ganha com ela é o país.


GUILHERME CASSEL, 50, engenheiro civil, é ministro do Desenvolvimento Agrário.

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