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O Brasil e os cegos
BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA
A artificial popularidade de Lula parece ter se esvaído, de um momento para o outro, como um encantamento que perde sua sedução
O BRASIL vive uma conjuntura
inesperada e que causa perplexidade. Fatores até contraditórios parecem conjugar-se, gerando situações ora confusas, ora auspiciosas,
ora trágicas, ora reveladoras.
Dir-se-ia que uma misteriosa mão
revolveu o tabuleiro de xadrez da conjuntura político-social brasileira, derrubando certas peças, trocando outras de lugar, fazendo com que umas
perdessem seu sentido e outras se
sentissem confusas e desnorteadas.
Sou obrigado a concordar com o deputado Fernando Gabeira -em cujos
antípodas ideológicos me encontro-
quando escreveu, há dias, nesta Folha: "Há algo no ar além dos poucos
aviões de carreira. É uma sensação de
que o governo, diante da crise, deixou
de fazer sentido, deixou de dizer coisa
com coisa. As pessoas não acreditam
ainda no que estão ouvindo" ("A bruxa na cabeça", 28/7, pág. A2).
Por que afinal o governo "deixou de
fazer sentido"? E terá sido apenas o
governo? Relembro aqui razões pertinentes, já exaustivamente apontadas:
a generalizada incompetência; o aparelhamento do Estado pelo PT e partidos aliados; um governo voltado para a autolouvação e a propaganda; a
submissão de todos os atos políticos a
uma ideologia.
Há, entretanto, a meu ver, uma razão mais profunda que vejo pouco
mencionada ou referida sem o devido
destaque. Obcecados por uma ideologia utópica, com tintas de fanatismo,
Lula, seus colaboradores e conselheiros mais próximos muito falam do povo, mas pouco conhecem dele. O que
se nota em suas convicções -melhor
diria, em suas crenças- e modos de
atuar é um desconhecimento fundamental da índole de nossa gente.
Inúmeros historiadores, sociólogos
e analistas de renome se debruçaram
e escreveram sobre ela. Sirvo-me aqui
das palavras de Plinio Corrêa de Oliveira, um dos pensadores e homens
de ação que, a meu ver, com maior
acuidade discorreram a respeito dos
traços de alma, dos sentimentos, da
mentalidade de nosso povo:
"O povo brasileiro se destacou desde as origens, por seu caráter ameno,
afetivo e cordato. Ademais, habituou-se ele a considerar com otimismo as
várias crises econômicas por que tem
passado. Ele confia em Deus ("Deus é
brasileiro", afirma um velho dito popular). (...) Com "jeitinho" (o "jeitinho"
é uma instituição nacional), bonomia
e paciência -julga a imensa maioria
dos brasileiros- tudo se arranjará. O
brasileiro é infenso à ansiedade. Detesta rixas. Cuida pacatamente de si e
de sua família e considera com um
olhar algum tanto desinteressado e
cético a política e os políticos (...). Em
comparação com o imenso contingente populacional assim disposto,
publicistas, políticos etc. representam uma minoria que por certo faz
ruído, pois está nos postos-chaves de
onde o ruído se difunde sobre as multidões. Mas essas multidões constituem um povo que pouca atenção dá a
tal ruído" ("Sou Católico: Posso Ser
contra a Reforma Agrária?", Vera
Cruz, 1981, pp. 57, 58).
Talvez por esse motivo a tão simbólica vaia do Maracanã tenha deixado
surpreso e desorientado o presidente
Lula e desconcertados seus assessores; talvez por esse motivo políticos
petistas e aliados se tenham dedicado
a exercícios abstratos e especulativos
sobre os motivos da vaia em vez de se
voltarem para o país profundo, que
está mudando de modo irreversível.
A artificial popularidade de Lula,
mantida à custa de uma fabulosa máquina de propaganda, regada generosamente a números de pesquisas, tratada com uma cuidadosa ausência de
oposição, parece ter se esvaído, de um
momento para o outro, como um encantamento que perde sua sedução.
O terrível e trágico acidente da
TAM, dias depois, teve o condão que,
paradoxalmente, têm certas tragédias, de operar um choque salutar nos
que arrastavam indolentemente sua
insatisfação. Num clarão de dor e de
morte, aos olhos de grande parte dos
brasileiros se tornaram patentes o
descomunal desastre e a imensa tragédia histórica para a qual o chamado
lulo-petismo arrasta a nação.
Pela primeira vez, das camadas profundas da sociedade surgem manifestações de inconformidade ativa, de
um descontentamento que há muito
germinava e só o lulo-petismo parecia
não levar em conta, em sua marcha
utópica por cima do Brasil.
Afinal, só isso explica as reações absurdas como a tristemente célebre
frase da ministra Marta Suplicy; o escárnio da afirmação do ministro Guido Mantega; o sumiço do presidente
Lula ante uma tragédia sem nome; os
gestos desqualificados de Marco Aurélio Garcia; as piadas presidenciais e
as gargalhadas na posse do novo ministro da Defesa.
Parecem não saber avaliar o desgaste profundo de seu projeto de poder nas mentalidades. E o desgaste
das multidões é um dos fenômenos
mais difíceis de ser revertido. Afinal,
não se caminha impunemente ao arrepio de um povo, sobretudo quando
sobre esse povo pairam os desígnios e
a proteção da virgem Aparecida.
Mas, para o lulo-petismo, tudo se
reduz a uma disputa eleitoral, tudo é
golpismo. O pior cego é aquele que
não quer ver: e o Brasil está aí, aos
olhos de todos... menos dos cegos.
DOM BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA, 66, é tetraneto de dom Pedro 1º.
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