São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O governo deve criar uma empresa estatal para explorar a região do pré-sal?

NÃO

Mudar o regime atual é retrocesso

OSVAIR V. TREVISAN e SAUL B. SUSLICK

NO MUNDO todo, o aproveitamento dos recursos de petróleo e gás de cada país são gerenciados por meio de contratos entre governos e empresas. Os modelos mais comuns são o regime de concessão e o de partilha da produção. Em menor escala, ainda existe o contrato de serviços, vigente em poucos países.
No Brasil, o atual regime utilizado, de concessão, tem sido colocado em questão a ponto de alguns políticos terem sugerido uma mudança para o sistema de partilha, o qual necessita da atuação de uma empresa estatal.
Por isso, antes de discutir a criação de uma nova empresa, é preciso colocar sobre a mesa os modelos e ver se a mudança de regime seria um bom negócio para o país.
Para começar, devemos derrubar alguns mitos. Um deles é a afirmação de que o regime de partilha permite que o governo receba mais dividendos da exploração do petróleo. Ambos os regimes são flexíveis o suficiente para permitir fatias maiores ou menores aos cofres do Estado.
Tampouco é verdade que a escolha do tipo de contrato depende da quantidade de recursos petrolíferos ou do grau de risco exploratório existente em um país. Há exemplos e contra-exemplos dos dois lados.
Em que os dois sistemas diferem?
Os de concessão são mais práticos de serem gerenciados, uma vez que usam taxas e regras públicas conhecidas por todos os protagonistas. Sua administração é normalmente feita por um órgão de Estado que, na maioria das vezes, é uma agência reguladora. Esses órgãos gerenciam a apropriação da renda petroleira destinada ao Estado por meio de participações governamentais. No Brasil, essa tarefa cabe à ANP (Agência Nacional do Petróleo). Nesse sistema, todos os riscos da atividade correm integralmente por conta dos concessionários.
Os contratos de partilha, por sua vez, têm uma operação mais complicada. Necessitam do gerenciamento de um corpo de especialistas, pois envolvem elevados níveis de complexidade e riscos. São baseados no cálculo da renda auferida depois de descontados os gastos com a exploração e os custos da produção do óleo. O governo é o responsável pelos custos da atividade exploratória e da produção.
É preciso lembrar que a exploração petrolífera envolve riscos, como gastos com poços secos, além de problemas complexos de logística e obstáculos operacionais. Some-se a esses os problemas imputáveis ao governo, como atrasos no licenciamento ambiental, além de outros de uma lista grande demais para ser arrolada aqui.
No regime de partilha, os gastos são feitos pelas empresas contratadas e repassados ao governo. A parte da renda que o governo leva depende crucialmente do "profit oil", um jargão da indústria para designar a diferença entre as receitas obtidas e os gastos da produção. Os cálculos não são simples: dependem de especialistas que conheçam em detalhes as atividades, as operações, os equipamentos, os tempos envolvidos e todos os eventuais problemas associados.
O trabalho ainda não terminou. No regime de partilha, o governo fica com o petróleo produzido. Isso quer dizer que ele terá de se encarregar de todas as operações subseqüentes até transformá-lo em dinheiro. No mínimo, terá de tratar, transportar, armazenar, vender e entregar o produto.
O conjunto dessas atividades demanda um corpo de técnicos e especialistas típico de uma empresa de petróleo. Além disso, o número de profissionais envolvidos não é pequeno.
Muito tem se falado do modelo da Noruega. O sistema fiscal do país nórdico é muito semelhante ao moderno sistema de concessão existente no Brasil. A tão citada norueguesa Petoro não é uma empresa operadora de petróleo. Ela atua como um banco, sendo gestora do fundo financeiro criado com a parcela governamental da renda gerada pelo setor.
É inegável que o regime de partilha é um sistema mais oneroso na gerência dos contratos com as empresas, sem falar na questão dos maiores riscos que traz ao controle de fraudes. O Brasil tem hoje um sistema moderno e elogiado de gerência dos contratos e não há por que complicar, retrocedendo a um sistema de partilha. E, se não o tivermos, não necessitamos de outra empresa estatal de petróleo.


OSVAIR V. TREVISAN, 56, é professor titular do Departamento de Engenharia de Petróleo e diretor do Centro de Estudos de Petróleo da Unicamp.

SAUL B. SUSLICK, 58, é professor titular do Departamento de Geologia e Recursos Naturais da Unicamp.




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