UOL




São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Parado

O Brasil, caldeirão de energia frustrada, está parado. A retração dos investimentos, a persistência do desemprego e as perdas salariais acumuladas perpetuam mais de duas décadas de estagnação econômica. Agravada agora por desesperança. O alívio dos endinheirados e dos doutos em constatar que o governo do PT não seria perigoso por conta de suas ousadias foi seguido pela descoberta de que ele é perigoso por causa de seu conformismo e de sua falta de imaginação.
A inflexão depressiva resultante dessa descoberta é o mais temível dos males que nos cercam. Por isso é preciso confrontá-la com algumas realidades. Temos base para ciclo de crescimento de grande vigor e amplidão. Ponta agrícola e mineradora comparável às melhores do mundo é complementada por empresas, em quase todos os setores da indústria, que renovaram, sob a disciplina da estagnação, seus métodos de trabalho. Por trás desse avanço de paradigma produtivo ocorre outro processo ainda mais importante: a difusão de nova cultura de auto-ajuda e iniciativa entre milhões de profissionais e empreendedores emergentes, destituídos, porém, de meios e de oportunidades.
O que falta? Enfrentar o impasse das finanças públicas -se necessário, por renegociação das dívidas interna e externa- para assegurar que o juro fique abaixo da taxa média de retorno dos negócios e para evitar que o dinheiro público vá para os rentistas em vez de ser investido em gente e em condições de produção. Desenvolver práticas que permitam ao Estado ajudar os produtores a ganhar acesso a crédito, a comercialização, a tecnologia e a conhecimento sem ver a ajuda pública capturada por apaniguados e falastrões. Colocar dinheiro no bolso do trabalhador para que ele possa comprar o que se produz. E dar salto de qualidade no ensino público, oferecendo estímulos especiais aos alunos pobres mais talentosos e aplicados.
O governo atual teria duas maneiras principais de dar o primeiro passo nessa direção. Uma, direta, seria reconhecer que o dinamismo produtivo não virá sem que se enfrentem, por meio da renegociação das dívidas, os parceiros da estagnação. A outra, indireta, seria desprivatizar o Estado, desmontando acertos fisiológicos entre empresários e políticos. Ainda que lhe faltem dinheiro e ensino, o país começaria a levantar-se com suas próprias mãos se não lhe faltasse também o cumprimento das leis.
A primeira solução romperia com o culto da confiança financeira (de que o Brasil, entre os países periféricos grandes, é o último bastião); a segunda sanearia o financiamento eleitoral e recuperaria, por meio de gestão profissional independente, os fundos de pensão, usados abusivamente pelo governo do PT, como foram pelo governo anterior, para fazer e desfazer grandes negócios. Ambas as soluções são improváveis porque exigem reviravolta de idéias e de atitudes. É mais fácil esperar que a recuperação das economias centrais nos devolva a crescimento medíocre e efêmero.
Para os inconformados sobra a solução que sempre foi a melhor: começar tudo de novo, construindo nova força capaz de representar a alternativa desenvolvimentista e democratizante que o país continua a querer. Perseverança, imensa e quase absurda, motivada por amor, é o de que precisamos. É pedir muito. Mas pedir apenas o que se tornou necessário.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Erro técnico
Próximo Texto: Frases

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.