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CLÓVIS ROSSI
Brasil, Iraque, Haiti
SÃO PAULO - Peço ao leitor que, por favor, volte às fotos que esta Folha
publicou ontem na capa, aquelas dos
policiais do Rio de Janeiro cercando
moradores do morro da Providência
e, depois, carregando escadas abaixo
o cadáver de um deles.
Pergunto: há alguma diferença essencial entre essas cenas e as cenas de
decapitação de reféns pelos terroristas iraquianos? A rigor, a única diferença é a arma usada, porque a selvageria é rigorosamente a mesma.
Até os cenários são parecidos na selvageria pelo que revelam de anarquia e de abandono.
Passe agora, caro leitor, para as fotos do arrastão na praia do Leblon.
Qual é a diferença entre os ataques
nesse que é um dos principais pontos
do Rio de Janeiro e os saques em Gonaives, em um Haiti devastado pelos
conflitos internos, pela corrupção,
pela violência endêmica e, agora, por
um furacão?
Bom, aqui há, sim, diferenças, mas
a favor do Haiti: lá, a dissolução do
poder público é oficialmente assumida. Aqui, supostamente existem as
instituições responsáveis pela ordem
pública. Existir, até existem. Funcionar é outra história.
Passe o leitor agora para as declarações do ministro da Justiça, Márcio
Thomaz Bastos, um excelente advogado e uma bela figura pública,
aliás. O ministro reconhece, implicitamente, que o presidente da República cometeu crime eleitoral ao pedir votos para a prefeita Marta Suplicy em inauguração de obra, mas
dá de ombros: foi "pecado venial".
Até seria, se de religião se tratasse.
Mas, para crimes, não há "veniais"
ou "capitais". Há crime. Ponto.
No fundo, é essa leniência com o
desrespeito à lei que faz o Brasil ter
momentos (os piores momentos,
aliás) de Iraque e de Haiti.
Não é por acaso, portanto, que pesquisa do Banco Mundial mostre o
Brasil como o pior país, entre 53 pesquisados em matéria de corrupção e
de criminalidade.
É esse o país real. Não há campanha ufanista capaz de ocultá-lo.
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