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DEMÉTRIO MAGNOLI
Notícias do Haiti
Desastres provocados por
furacões são qualificados como
"naturais", mas as coisas não são tão
simples. Jeanne não chegou a ser um
furacão, mas uma tempestade tropical. Mesmo assim, deixou mais de mil
vítimas fatais no Haiti. Verdadeiros
furacões que precederam Jeanne mataram muito menos em outras partes
do Caribe. Na República Dominicana,
vizinha do Haiti, o furacão Ivan fez
apenas 19 vítimas fatais. Em maio,
inundações mataram outro milhar de
pessoas no leste do Haiti.
"Haiti" é o nome original da Ilha
Hispaniola e significa "terra das montanhas" na língua dos primeiros habitantes, os ameríndios arauaques. Colombo, no retorno de sua viagem pioneira, não encontrou forma melhor de
descrever o relevo da ilha que amassando um pedaço de papel grosso.
Hispaniola é um elemento do conjunto geomorfológico das ilhas antilhanas. Esses arquipélagos formam as
porções emersas do extenso arco
montanhoso que prolonga o relevo
continental.
Ao longo de décadas, os camponeses dos vales fluviais haitianos devastaram as florestas das montanhas circundantes a fim de extrair a lenha usada para cozinhar alimentos. As chuvas
torrenciais transportam os sedimentos das vertentes desnudas, inundando cidades e povoados sob camadas
de lama. Natureza e pobreza conspiram juntas na articulação dos desastres "naturais".
Mas o desastre haitiano tem uma dimensão política. A força de paz da
ONU, liderada pelo Brasil, não conseguiu fornecer ajuda às populações
atingidas com um mínimo de eficácia.
Essa força dispõe de menos de 3.000
"capacetes azuis", de um total de 6.700
prometidos em abril. Nas operações
de auxílio aos desabrigados, seus oficiais recorrem a líderes de bandos armados locais. Nem a força da ONU
nem o governo inventado pela intervenção militar americana de fevereiro
controlam a maior parte do país. Há
pouco, o ministro francês Renaud
Muselier, que visitava o Haiti, foi cercado em Cité Soleil, a maior favela de
Porto Príncipe, pelos "chimères", as
milícias leais ao presidente deposto
Jean-Bertrand Aristide. Duas horas de
tiroteio e uma evacuação conduzida
por tropas brasileiras salvaram o francês.
A força da ONU não desempenha
um papel na definição do futuro político do Haiti. Ela funciona como exército provisório do governo gerado pela intervenção estrangeira. Esse governo ancora-se em grupos ligados à ditadura do general Raul Cedras, que
governou o Haiti entre 1991 e 1994,
além de narcotraficantes e máfias empresariais. Seus objetivos são a legitimação do novo regime por meio de
eleições que não incluam o presidente
deposto pelos americanos e a restauração do Exército, que foi dissolvido
por Aristide.
Nos anos de governo, Aristide transfigurou-se de líder popular em caudilho autoritário. Mas ele conserva forte
influência sobre a população pobre
haitiana. A receita política aplicada ao
Haiti aponta na direção da perpetuação da violência. Depois da intervenção, George Bush solicitou ao Brasil
que liderasse a força da ONU de modo
a internacionalizar a operação de mudança de regime. O governo brasileiro
julgou que a missão asseguraria o
apoio de Washington ao projeto de
conquista de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Referindo-se ao agravamento da crise
haitiana, o general Augusto Heleno
Pereira, comandante da força de paz,
garantiu que "militar não reclama". É
pena: o preço da aventura pode ser alto demais.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
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