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Editoriais
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Fim de feira
No balcão de cargos e negócios em que se transformou o Congresso Nacional, um concurso de voracidade se produz
JÁ SE SABIA , desde a segunda-feira passada, que estava em
curso a Semana do Peixe.
Um pronunciamento em rede nacional, feito pelo até então
silencioso ministro Altemir Gregolin, conclamava bizarramente
a população a apreciar as qualidades alimentícias do pescado
brasileiro. Foi no Senado Federal, entretanto, que os apetites se
aguçaram, num tumulto de fim
de feira, enquanto se exalava dos
balcões de cada partido um inconfundível odor de podridão.
Não pode ser qualificada de dia
de Lula, certamente, a última
quinta-feira. Surpreendido pela
rejeição da MP 377, que criava a
Secretaria de Planejamento de
Longo Prazo, o Executivo percebeu agora que terá de pagar um
preço mais alto do que se pensava pela prorrogação da CPMF.
Que o PT se prestasse a absolver Renan Calheiros não foi bastante. Desenredado das ameaças
da cassação de seu mandato, o
presidente do Senado recuperou
sua natureza de predador, demonstrando o poder que exerce
sobre espécimes menos notáveis
do voraz cardume peemedebista.
Treze senadores do seu partido, com efeito, juntaram-se à
oposição para tirar do filósofo
Roberto Mangabeira Unger o remanso ministerial com que fora
contemplado. É provável que logo se descubram novas atribuições oficiais para esse intrigante
tipo de anfíbio ideológico, que
abandonou o pós-brizolismo e a
bandeira do "impeachment" para incrustar-se num partido de
evangélicos. Seja como for, Renan Calheiros emerge vitorioso
desta semana, e não deixa de ter
paradoxalmente contribuído para a transparência do ambiente
em que trafega.
A rebelião dos renanzistas pôde interromper, com efeito, o patético contorcionismo de alguns
senadores do PT, como Aloizio
Mercadante e Tião Viana, que,
depois de tudo terem feito para
assegurar a absolvição secreta do
presidente do Senado, vinham a
público reivindicar seu licenciamento do cargo. Falava-se, implausivelmente, num acordo de
cavalheiros: para livrar-se da
cassação, Calheiros aceitaria a
tese da renúncia. A hipótese,
com certeza dura de engolir, desfez-se com rapidez no torvelinho
da quinta-feira, deixando a viscosa movimentação dos petistas
exposta à luz do dia.
Não há, de tudo isso, moral nenhuma a extrair, exceto a de que
o Executivo mais uma vez verifica o padrão de comportamento
de seus aliados; padrão que, de
resto, reproduz. Sem empenho
por reforma tributária, nem por
reforma política, o governo vive
das contribuições provisórias
que dá e que recebe.
Tudo muito franciscano, como
lembrou o senador Wellington
Salgado, do PMDB. Mas que seu
nome não venha a sugerir, de novo, aparições televisivas em torno da Semana do Peixe. Em outros tempos, era apenas o Chacrinha quem perguntava, em
seus programas, se a platéia queria bacalhau. O programa de auditório, hoje, transcorre no Congresso; deputados e senadores,
nesse ponto, não fazem segredo:
dizem que sim. Trata-se, agora,
de entregá-lo a tempo.
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