São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

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Editoriais

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Fim de feira

No balcão de cargos e negócios em que se transformou o Congresso Nacional, um concurso de voracidade se produz

JÁ SE SABIA , desde a segunda-feira passada, que estava em curso a Semana do Peixe. Um pronunciamento em rede nacional, feito pelo até então silencioso ministro Altemir Gregolin, conclamava bizarramente a população a apreciar as qualidades alimentícias do pescado brasileiro. Foi no Senado Federal, entretanto, que os apetites se aguçaram, num tumulto de fim de feira, enquanto se exalava dos balcões de cada partido um inconfundível odor de podridão.
Não pode ser qualificada de dia de Lula, certamente, a última quinta-feira. Surpreendido pela rejeição da MP 377, que criava a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, o Executivo percebeu agora que terá de pagar um preço mais alto do que se pensava pela prorrogação da CPMF.
Que o PT se prestasse a absolver Renan Calheiros não foi bastante. Desenredado das ameaças da cassação de seu mandato, o presidente do Senado recuperou sua natureza de predador, demonstrando o poder que exerce sobre espécimes menos notáveis do voraz cardume peemedebista.
Treze senadores do seu partido, com efeito, juntaram-se à oposição para tirar do filósofo Roberto Mangabeira Unger o remanso ministerial com que fora contemplado. É provável que logo se descubram novas atribuições oficiais para esse intrigante tipo de anfíbio ideológico, que abandonou o pós-brizolismo e a bandeira do "impeachment" para incrustar-se num partido de evangélicos. Seja como for, Renan Calheiros emerge vitorioso desta semana, e não deixa de ter paradoxalmente contribuído para a transparência do ambiente em que trafega.
A rebelião dos renanzistas pôde interromper, com efeito, o patético contorcionismo de alguns senadores do PT, como Aloizio Mercadante e Tião Viana, que, depois de tudo terem feito para assegurar a absolvição secreta do presidente do Senado, vinham a público reivindicar seu licenciamento do cargo. Falava-se, implausivelmente, num acordo de cavalheiros: para livrar-se da cassação, Calheiros aceitaria a tese da renúncia. A hipótese, com certeza dura de engolir, desfez-se com rapidez no torvelinho da quinta-feira, deixando a viscosa movimentação dos petistas exposta à luz do dia.
Não há, de tudo isso, moral nenhuma a extrair, exceto a de que o Executivo mais uma vez verifica o padrão de comportamento de seus aliados; padrão que, de resto, reproduz. Sem empenho por reforma tributária, nem por reforma política, o governo vive das contribuições provisórias que dá e que recebe.
Tudo muito franciscano, como lembrou o senador Wellington Salgado, do PMDB. Mas que seu nome não venha a sugerir, de novo, aparições televisivas em torno da Semana do Peixe. Em outros tempos, era apenas o Chacrinha quem perguntava, em seus programas, se a platéia queria bacalhau. O programa de auditório, hoje, transcorre no Congresso; deputados e senadores, nesse ponto, não fazem segredo: dizem que sim. Trata-se, agora, de entregá-lo a tempo.

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