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TENDÊNCIAS/DEBATES
Uma derrota de Bush enfraqueceria o combate ao terrorismo?
SIM
Bush e o terror
DENIS LERRER ROSENFIELD
O mundo mudou. Após os atentados às torres gêmeas do World
Trade Center, o século 21 se inaugurou
sob a égide de uma nova forma de violência: o terror islâmico. Os dados das
guerras convencionais foram brutalmente alterados, exigindo um novo enfoque seja das relações diplomáticas, seja das militares, com especial atenção
aos serviços de inteligência. O inimigo
já não se apresenta sob uma forma visível, geograficamente localizável, salvo
em suas manifestações violentas, quando da explosão de edifícios, hotéis, ônibus ou em decapitações potencializadas
pelos meios de comunicação.
O terror islâmico, também dito terror
global, é significativamente diferente de
outras formas de terror, pois seu alvo é
propriamente inatingível, já que procura, de uma forma dogmática e religiosa,
a pura e simples submissão de todos os
que não compartilham de sua visão particular do islamismo. Ele visa à destruição de outras culturas e religiões, seja o
catolicismo, o protestantismo, o judaísmo, o budismo e, amanhã -por que
não?-, outras formas tolerantes da religião muçulmana. O propósito dessa
forma de terror se situa fora da esfera da
política, isto é, da razão, do diálogo e da
negociação. Não há interlocutor possível para esse tipo de "irrazão", pois os
seus agentes procuram estabelecer tão-somente uma luta de vida ou morte.
Quando da eleição de Bush, o presidente tinha uma doutrina de segurança
nacional voltada para a proteção do solo
americano via construção de um escudo que protegeria os EUA de mísseis interbalísticos. O inimigo potencial era,
então, a China. Com a irrupção do terror islâmico, os dados da questão se alteraram completamente, pois um pequeno grupo de suicidas mostrou que
poderia, com aviões civis, produzir uma
imensa destruição, que abalou, simbolicamente, a nação americana.
Nesse momento, houve uma enorme
mutação da doutrina estratégica americana. O novo presidente entendeu que
não poderia negociar com tal tipo de
inimigo, partindo para uma ação que,
naquele então, contou com a aprovação
da ONU. O Afeganistão foi um alvo particularmente propício para a reação
americana, pois ele encarnava um Estado terrorista, de cunho totalitário, governado pelos talebans, aliados de Bin
Laden e membros de sua seita. Nesse
país foi possível uma ação militar exitosa, entre outras razões, pelo fato de os
terroristas serem geograficamente localizáveis. Era como se os moldes da guerra clássica se reproduzissem. Ademais,
a população afegã não suportava mais
aquele jugo e os EUA contaram com a
inestimável ajuda militar das tropas do
general Massud (assassinado pelos talebans semanas antes), com longa experiência de combate aos soviéticos.
Ora, o fenômeno terrorista se mostrou muito mais complexo, porém Bush
e sua equipe extraíram três lições: a) trata-se de uma guerra de outro tipo, em
que contam os serviços de inteligência,
aliados às operações militares e policiais; b) o terror islâmico deve ser combatido sem tréguas, não cabendo aqui
nenhuma negociação; c) ocorreu uma
reconfiguração da geopolítica internacional, em que novos aliados, como o
Paquistão, ou antigos, como o Egito,
têm uma importância fundamental.
Nessa nova configuração, aliados como a França e a Alemanha perdem importância, pois são expressões de um
mundo que não mais existe, o mundo
posterior à Segunda Guerra e à Guerra
Fria. A Europa não só está pacificada
como se organizou de modo supranacional, abandonando a sua histórica política de guerras incessantes. Logo, o
presidente Bush se volta aos países islâmicos que não compactuam com o terror islâmico, capazes de enfrentá-lo.
Os noticiários têm dado grande destaque ao Iraque e pequeno destaque ao
Afeganistão. Ao primeiro, pois os erros
americanos na pacificação do país têm
se multiplicado, além de sua justificativa de combate ao terror ter desaparecido, pela ausência de provas de vínculos
entre Saddam e Bin Laden. Nesse sentido, pode-se dizer que Bush terminou
por retroalimentar o terrorismo, ao lhe
oferecer espaço de ação e de recrutamento de novos militantes. Não havia
nesse país uma identificação geográfica
entre o terror e um Estado nacional. Ele
errou o alvo e tem sido cobrado por isso. Entretanto o sucesso da operação
dos EUA/ONU no Afeganistão mostra
que é possível não só combater o terror
como reconstruir um país ferozmente
dividido por lutas tribais. As suas recentes eleições são uma amostra de como
novas formas de exercício do poder podem ser estabelecidas em um país que
teria tudo para não as construir.
Bush entendeu, melhor do que Kerry,
que um novo mundo exige enfrentar os
seus desafios de uma outra maneira.
Não são vagas palavras sobre o multilateralismo e o social que farão com que
terroristas milionários recuem em seu
projeto escatológico de instaurar um
poder teológico e absoluto.
Denis Lerrer Rosenfield, 53, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da UFRGS.
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