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TENDÊNCIAS/DEBATES
Uma derrota de Bush enfraqueceria o combate ao terrorismo?
NÃO
Guerra à guerra
EMIR SADER
Em qualquer eleição se coloca o
tema da diferença entre os candidatos -se elas existem, se são significativas. Em qualquer lugar, por exemplo,
quem faz reforma tributária para financiar políticas sociais é de esquerda,
quem promete reduzir impostos para
os ricos em detrimento das políticas sociais é de direita. Kerry não é de esquerda, mas promete retroceder na política
de Bush de diminuir os impostos, a fim
de ter mais recursos para o social. Bush,
como todo político de direita, tenta ganhar simpatias da classe média reduzindo impostos. Pode-se esperar um pouco mais de recursos para os programas
de saúde pública e de educação, mas subordinados ao objetivo de estabilidade
fiscal, que os democratas acusam Bush
de ter colocado em risco.
A lista de temas em que os dois concordam é enorme: o papel do banco
central estadunidense, o papel e o orçamento da CIA e de outras agências de
inteligência, o desarmamento nuclear, a
redução do orçamento militar, o papel e
as políticas do Banco Mundial, do FMI e
da OMC, a guerra às drogas, a política
florestal.
Entre os temas coincidentes estão os
de política internacional, especialmente
a política de tentar resolver os conflitos
mediante a violência e a guerra, reivindicando para os EUA o direito de atacar
preventivamente quem eles considerem
que representa risco para si. Ambos
afirmam que manterão e até intensificarão o engajamento militar dos EUA no
Iraque; ambos apóiam a política de
massacre de Sharon contra os palestinos -para falar apenas de dois epicentros da "guerra infinita". Kerry diz que
romperá o unilateralismo, consultando
os aliados, mas, ao manter o direito unilateral dos EUA de atacar preventivamente, não deixa lugar efetivo para consultas, cedendo às pressões de Bush, que
o acusava de "consultar os franceses antes de se defenderem dos terroristas".
A eventual derrota de Bush -e, portanto, a vitória de Kerry- representaria
mais violência e terror em escala mundial -levando em conta que ambos os
lados em conflito podem ser considerados igualmente agentes de ações de terror. Uma vitória de Bush -seja com
maioria ou com mais votos no Colégio
Eleitoral- referendaria a política belicista de seu governo. Podemos nos perguntar, depois da aplicação por três
anos dessa política, se o mundo é um lugar mais ou menos seguro desde então,
se as ações de terror aumentaram ou diminuíram, se as pessoas se sentem mais
ou menos seguras, se estamos mais perto ou mais longe da paz.
Quem teme, como diz a propaganda
de Bush, que sua derrota debilite a luta
contra o que chamam de "terrorismo"
-outro raciocínio típico da direita, que
busca combater os problemas sociais
com repressão- considera que é com
mais violência, com mais tropas, com
mais bombardeios, com mais massacres que se consegue triunfar. Esse é o
caminho seguido por Bush e que tem
trazido mais adesões à resistência violenta contra a invasão do Iraque. Cada
ação violenta tem encontrado uma reação contrária do mesmo tipo e a escalada do terror só tem aumentado, não
apenas no Iraque, como na Palestina.
Como se combate essa escalada de
ações de terror? Atacando suas raízes.
No caso da Palestina, com a retirada das
tropas israelenses de ocupação e o reconhecimento do direito à existência do
Estado palestino. Nenhum outro caminho pode levar à pacificação. No caso
do Iraque, com a retirada das tropas de
ocupação estadunidenses e de outros
países e o reconhecimento do direito
dos iraquianos de decidirem seu próprio destino.
Se uma vitória de Kerry não representa avançar nessa direção, um triunfo de
Bush representa certamente avançar na
direção oposta -a de consolidar as
ocupações militares e de aumentar a repressão à resistência dos que lutam contra ela. A derrota de Bush pode ser o primeiro caso de uma solução alternativa
àquela imperante. A vitória de Bush representará o referendo à política agressiva que caracteriza o seu governo.
Mas a construção de uma nova ordem, mais justa, centrada na paz e na resolução negociada dos conflitos, está
longe do que qualquer um dos dois que
triunfe fará. Ela supõe o fortalecimento
da ONU, com a sua democratização,
mas também com a votação de resoluções que punam a invasão do Iraque,
que façam valer a resolução da ONU pela criação de um Estado palestino. Supõe a quebra da hegemonia unipolar
que o domínio imperial estadunidense
impõe ao mundo, superando igualmente a polarização Bush/Bin Laden ou fundamentalismo estadunidense versus
fundamentalismo islâmico e a formação dos instrumentos e dos espaços para a criação de um outro mundo possível -solidário, humanista, multipolar,
diverso e fundado no resgate social do
hemisfério Sul, a começar pela África.
Só assim pode-se garantir a paz e o fim
da escalada de terror que assola o mundo e que tem nas políticas de Bush um
multiplicador, e não um antídoto.
Emir Sader, 61, é professor de sociologia da USP
e da Uerj, onde coordena o Laboratório de Políticas Públicas.
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