São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 2006

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Lula reeleito

A vitória de Lula se dá num clima sem utopias, em que desafios políticos e administrativos concretos predominam

RECONDUZIDO ao cargo com mais de 60% dos votos válidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vê abrir-se diante de si um horizonte político singularmente diverso daquele com que se deparava em 2002.
Legitimamente referendado por mais de 58 milhões de eleitores, Lula está longe de corresponder, entretanto, à aura de renovação social e ética de que era cercado no imaginário de seus adeptos em 2002; tampouco sua eleição se associa, agora, às ameaças de irresponsabilidade econômica e turbulência política projetadas pelo discurso de seus adversários naquela época.
O jogo da sustentação parlamentar, que levou o governo a tantos desastres e vergonhas nos últimos quatro anos, terá de ser jogado mais uma vez. A estratégia de alianças agora em curso acrescenta às imoralidades do varejo partidário vigentes no primeiro mandato a oficialização de um pacto com a macrofisiologia peemedebista.
Qualquer discurso em torno de reformas políticas abrangentes, capazes de dar maior transparência e funcionalidade às instituições republicanas, choca-se amargamente com o predomínio do arcaísmo e da ausência de compromissos ideológicos dos detentores do poder real.
Das incertas negociações com esses setores, assim como de sua própria "vontade política" -cuja intensidade e consistência têm deixado muito a desejar- é que depende o presidente reeleito para responder aos desafios de seu próximo mandato.
A aceleração do ritmo do crescimento econômico, ao contrário do que tanto lulistas quanto oposicionistas afirmaram no decorrer desta campanha, não dispensa um equacionamento da questão das contas públicas; a diminuição continuada da taxa de juros e o desafogo da carga tributária não dispensam a realização de reformas para controlar as despesas federais -reformas cujo teor e cujas chances de respaldo legislativo são, a esta altura, absolutamente nebulosos.
Terão paralelamente de prosseguir com rigor as investigações em torno do chamado dossiegate. Democraticamente eleito, o presidente da República não está acima da lei e das instituições do país. Tende a arrefecer, sem dúvida, o furor inconformista dos que, supondo-se já derrotados nas urnas, por vezes incorreram numa retórica açodada de contestação do futuro mandato presidencial. Somente fatos e evidências, fundamentados numa investigação minuciosa, poderão dar resposta às questões que até hoje ficaram sem esclarecimento em todo o escândalo.
Enquanto isso, e já amainado o período das exaltações eleitorais, não faltam entretanto outras incertezas, de ordem econômica, política e administrativa imediata, a que o próximo mandato de Lula terá de dar firme resposta. O desafio de passar da "realpolitik" dos acordos parlamentares à adoção de medidas objetivas para a aceleração do desenvolvimento econômico está colocado; resta saber se Lula e as forças que o apóiam estão prontos a enfrentá-lo desta vez.


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