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Bento 16, diplomata
Viagem do papa à Turquia ajuda a acalmar os ânimos num mundo em que cresce a violência motivada pela religião
A VIAGEM do papa Bento
16 à Turquia, se não
significa o triunfo da
diplomacia, pelo menos indica que o sumo pontífice
está atento ao diálogo inter-religioso e aos desdobramentos políticos do assim chamado "choque de civilizações".
De uma perspectiva laica, é
bom que Joseph Ratzinger esteja
preocupado com essas questões.
Se o gesto diplomático ajudar as
principais autoridades religiosas
muçulmanas a desarmar os espíritos de seus fiéis, diminuem as
chances de repetir-se episódios
de violência como os protestos
deflagrados pela publicação, na
Dinamarca, de charges tidas por
ofensivas ao profeta Maomé.
Especialmente para Bento 16,
esse é um desafio e tanto. Em setembro, o prelado envolveu-se
numa polêmica ao citar, em aula
magna na Alemanha, um obscuro imperador bizantino que acusou o islã de ser violento.
A referência do papa a Manuel
2º Paleólogo (1350-1425), o qual
teria afirmado que a novidade
trazida por Maomé foram "coisas más e desumanas, como a sua
ordem para espalhar pela espada
a fé que ele pregava", desencadeou uma onda de violentas manifestações de muçulmanos em
todo o mundo. A ironia é que tais
protestos só endossaram, séculos depois, a afirmação daquele
imperador bizantino.
Ademais, enquanto era apenas
um cardeal e ocupava o posto de
prefeito da Congregação para a
Doutrina da Fé (o novo nome da
velha Inquisição), Ratzinger deu
declarações contra a entrada da
Turquia na União Européia e foi
o responsável pela publicação da
epístola "Dominus Iesus"
(2000), na qual o Vaticano diz
com todas as letras que quem
não acata a "verdade" como interpretada pela Igreja Católica
está em sérios apuros teológicos,
"in statu gravis penuriae".
O líder dos católicos não poderia, evidentemente, pensar de
outro modo. A forma como "Dominus Iesus" coloca a questão é
até diplomática, pois admite a
possibilidade de graça para os
não-católicos, ainda que "objetivamente" menor do que para o
católico. Historicamente, a epístola é uma versão branda do "Extra Ecclesiam nulla salus" (fora
da Igreja não há salvação), do papa Bonifácio 8º (1294-1303).
Ao sagrar-se papa, Ratzinger
acrescentou ao dever de zelar pela ortodoxia da fé a missão de
atuar como um chefe de Estado,
obrigado a entender-se da melhor forma possível com seus vizinhos. Foi isso que o fez, após os
incidentes de setembro, transformar a viagem para a Turquia,
marcada desde o início do ano,
num gesto de mão estendida.
Evidentemente, isso não bastará para desarmar as tensões
nem para fazer com que adeptos
de uma religião aceitem outra
como igual, mas já é um passo em
direção ao não-enfrentamento.
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